Agência Senado
- 23/03/2012
A criação de um crime específico para os funcionários
públicos que não conseguirem justificar a compatibilidade entre sua renda e o
patrimônio acumulado foi defendida por unanimidade entre os participantes da
audiência pública realizada, nesta sexta-feira (23), pela comissão de juristas
designada pelo Senado para propor alterações no Código Penal.
O relator da comissão, o procurador-regional da República
Luiz Carlos Gonçalves, mostrou-se favorável à iniciativa:
– Corrupção é um crime difícil de ser flagrado, pois
acontece sempre às escuras. Se atacarmos o enriquecimento ilícito dos agentes,
não será necessário surpreender o ato em si, mas a consequência do ato, que é o
acréscimo patrimonial indevido – explicou.
Além da criação da
figura do enriquecimento ilícito dos servidores, a comissão também ouviu
sugestões para transformar a corrupção em crime hediondo. Tal proposta,
entretanto, causou divergências entre os participantes da audiência.
O próprio presidente da comissão, o ministro Gilson Dipp, do
Superior tribunal de Justiça (STJ), mostrou-se contrário à iniciativa:
- Não é o tamanho da pena que inibe a corrupção; a certeza
da impunidade é que incentiva a ação criminosa. Se o aumento de pena fosse
imprescindível, não teríamos crimes hediondos com tanta frequência. É preciso
haver leis claras, objetivas e de fácil percepção para a população. De toda
forma, cabe à comissão de juristas definir – afirmou em entrevista à Agência
Sendo.
Opinião semelhante manifestou a representante do Conselho
Nacional do Ministério Público (CNMP), Cláudia Chagas, para quem a diminuição
da criminalidade não passa pelo simples aumento da pena, mas pelo seu
cumprimento efetivo.
– Hoje a corrupção compensa porque o criminoso pode usufruir
do produto do seu crime. Por isso, é importante também criarmos formas de
recuperar os recursos que são desviados pelos corruptos – opinou.
Júri
Ao apresentar suas propostas, o representante da Defensoria
Pública da União, José Alberto Simões, apresentou a sugestão de transferir para
o Tribunal do Júri a competência para julgar também alguns crimes contra a
administração pública:
- Se o dinheiro que é roubado e desviado é do povo, por que
não deixar o próprio povo julgar? Poderíamos então alargar a competência do
júri. Sinceramente, não conheço ninguém hoje em dia que esteja cumprindo pena
por corrupção. Trata-se de uma praga neste país, que acontece nas menores
prefeituras e no mais alto escalão da administração - afirmou.
Concursos
Já o coordenador-geral de Defesa da Probidade da
Advocacia-Geral da União (AGU), Tércio Issami Tokano, defendeu a inclusão no
Código Penal de artigos específicos para combater as fraudes em concursos
públicos.
Segundo Tércio Tokano, a Advocacia da União tem se deparado
com número crescente de fraudes em concursos perpetradas por pessoas e
quadrilhas cada vez mais especializadas.
– Colas, falsidades e todo tipo de fraude, inclusive com
recursos eletrônicos sofisticados, requerem uma resposta do Estado. Por isso
precisamos criar mecanismos legais específicos para inibir tais atos –
ponderou.
Prazos
Formada por advogados, representantes do Judiciário, do
Ministério Público, da Defensoria Pública e do meio acadêmico, a comissão de
juristas foi instituída pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), em
outubro do ano passado. Depois de concluídos os trabalhos, o colegiado vai
apresentar um anteprojeto ao Senado. A previsão de Gilson Dipp é de finalizar o
texto em maio.
Na próxima sexta-feira (30), a comissão volta a se reunir.
Desta vez, no Senado, para tratar da parte geral do Código.
Algumas sugestões em análise pela comissão de juristas:
* Aumento da pena mínima dos crimes de peculato (apropriação
ou desvio de bem público por parte do servidor) e corrupção passiva para quatro
anos;
* Aumento dos prazos de prescrição ou mesmo a
imprescritibilidade dos crimes contra a administração;
* Incremento do instituto da delação premiada;
* Unificação dos crimes de concussão e corrupção passiva num
só artigo (pelo texto atual, na concussão, o funcionário público exige vantagem
indevida, enquanto na corrupção passiva o agente apenas solicita ou aceita tal
vantagem);
* Responsabilização da pessoa jurídica;
* Condicionamento da substituição da pena privativa de
liberdade por restritiva de direito à reparação prévia do dano;
* Impedimento da aplicação do instituto da transação penal
nos crimes de corrupção (a transação penal é uma espécie de acordo entre o
Ministério Público e o infrator para o não prosseguimento da ação penal);
* Meios para bloqueio dos bens do acusado de corrupção na
ocasião do recebimento da denúncia;
* Priorização dos processos sobre crimes contra a administração;
* Descriminalização do desacato.