Felipe Recondo
O Estado de S. Paulo -
18/04/2012
Às vésperas de sua aposentadoria, ministro diz que futuro da
Corte é ‘preocupante’, questiona efetividade do trabalho do CNJ e queixou-se da
decisão do governo de tirar o aumento do Judiciário
BRASÍLIA - De saída da presidência do Supremo Tribunal
Federal (STF), o ministro Cezar Peluso disse que o futuro da Corte é
preocupante e que o trabalho da ministra Eliana Calmon na Corregedoria Nacional
de Justiça não gerou qualquer resultado. Em entrevista publicada no site
Consultor Jurídico, Peluso criticou a presidente Dilma Rousseff, por ter tirado
do orçamento deste ano o aumento do Judiciário, e o senador Francisco
Dornelles, que ele afirma estar a serviço dos bancos.
Peluso deixa a presidência do tribunal nesta quinta-feira, 19.
De acordo com outros ministros, Peluso pode antecipar em algumas semanas sua
aposentadoria e não voltar do recesso de julho. Na entrevista, Peluso afirma
que o futuro do Supremo é preocupante. "Há uma tendência dentro da corte
em se alinhar com opinião pública. Dependendo dos novos componentes",
disse.
Marcado pelo conflito travado no Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) com a ministra Eliana Calmon, Peluso agora afirma que o trabalho
da corregedora não produziu efeitos e diz haver suspeitas sobre a intenção dela
de se candidatar. "Até agora ela não apresentou resultado concreto algum,
fez várias denuncias. Ela está se perdendo no contato com a mídia e deixando de
lado o foco, a procura de resultados concretos", disse ele. "No mês
de setembro ela sai, retorna para o tribunal dela, que é o STJ. Termina o
mandato (de corregedora) e volta. (...) Que legado deixou?", questiona.
Na Corregedoria do Tribunal de Justiça de SP, Peluso afirmou
que resolvia os problemas que envolviam juízes suspeitos de irregularidades sem
alarde. "Chamávamos os envolvidos e abríamos o jogo: ''Temos tantas provas
contra vocês e se não forem para a rua agora iremos abrir processo''. Nunca
fizemos escarcéu com esses casos", contou.
Peluso questionou, na entrevista, os resultados da mudança
patrocinada no sistema previdenciário do funcionalismo público e disse que o
serviço público não atrairá servidores decentes. "O governo está
interessado em um problema imediato político que é diminuir o déficit da
Previdência Social, não está interessado com a eficiência da máquina ao longo
do tempo", argumentou. "Ninguém que tenha capacidade e decência irá
procurar emprego no setor público, pois ninguém irá se matar para conseguir um
cargo público e aposentar-se com R$ 1,5 mil ou correr o risco de fundos que
ficarão nas mãos de grandes bancos", criticou.
Na sua gestão, Peluso não conseguiu viabilizar o reajuste
dos salários do Judiciário. E afirma que a presidente Dilma Rousseff descumpriu
a Constituição ao tirar do orçamento encaminhado pelo STF a previsão de aumento
dos salários. "A Presidência descumpriu a Constituição, como também
descumpriu decisões do Supremo. Mandei ofícios à presidente Dilma Rousseff
citando precedentes, dizendo que o Executivo não poderia mexer na proposta
orçamentária do Judiciário, que é um poder independente, quem poderia divergir
era o Congresso. Ela simplesmente ignorou", disse.
Peluso responsabilizou o senador Francisco Dornelles (PP-RJ)
pela não aprovação da proposta de emenda à Constituição que mudava a
sistemática dos processos e acelerava a tramitação dos processos. A ideia foi
combatida por advogados e criticada por alguns ministros do STF. "A PEC só
não foi votada porque o Dornelles complicou. Quem o senador Francisco Dornelles
representa? Ele é do PP ou do BB - dos bancos e bancas. Estes são os grandes
interessados na discussão do sistema", afirmou. "O Dornelles é
senador pelo Rio de Janeiro, mas de fato representa os interesses dos bancos e
representantes das grandes bancas de advocacias de Brasília. Ele travou a
votação da PEC", afirmou.
Na série de entrevistas, Peluso critica também o resultado
do julgamento que declarou a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa.
"Disse isso no meu voto e repito: nem durante a ditadura militar houve tal
medida. Não conheço nenhum lugar no mundo, nem na Rússia comunista se fez isso:
criar uma lei para qualificar um ato já praticado", criticou Peluso.