José Pastore
Correio Braziliense
- 12/09/2012
Uma das consequências das últimas greves dos servidores
públicos foi a decisão do governo de agilizar a sua regulação. Vários projetos
de lei tramitam no Congresso Nacional. Em 2007, quando Dilma Rousseff era chefe
da Casa Civil, a Advocacia-Geral da União (AGU) entregou-lhe um projeto sobre o
assunto, mas ela engavetou a proposta. Mesmo como presidente eleita, Dilma se
manteve complacente com os grevistas ao sancionar a Lei nº 12.505/2011, que
anistiou policiais e bombeiros que cruzaram os braços em manifesto confronto
com a Constituição Federal que proíbe greve de servidores militares.
Ao que parece, ela mudou de opinião. As últimas greves a
irritaram bastante e por isso decidiu solicitar da própria AGU a mesma
providencia que lhe foi entregue em 2007 para ser discutida após as eleições
municipais. O assunto envolve inúmeras tecnicalidades. Para não cansar o
leitor, apresento aqui as principais questões a serem equacionadas em uma lei
de greve do setor público.
1. Atividades essenciais — Uma primeira providência é
estabelecer o alcance e as regras da greve nas atividades essenciais. Há
projetos de lei que nem sequer tocam nessa questão (exemplo: PLS 87, de autoria
do senador Paulo Paim PT-RS), enquanto outros abrangem e regulam com rigor mais
de 20 atividades essenciais (PLS 710, de autoria do senador Aloysio Nunes
Ferreira PSDB-SP).
2. Greves proibidas — Além das atividades essenciais, há as
que não admitem nenhum tipo de greve. Isso é assim em todos os países. É uma
questão delicada. O Brasil permitirá greve de militares, diplomatas, operadores
de usinas elétricas, profissionais de serviços de emergência e outros desse
tipo?
3. Manutenção de serviços mínimos — É comum prever-se o
anúncio da greve com larga antecipação e a manutenção de serviços mínimos.
Quais serão os prazos mínimos? Quais serão os máximos? Haverá distinção para
diferentes tipos de atividades? O que vale para um posto do INSS valerá para os
hospitais?
4. Resolução das greves — Muitos países sujeitam as greves
em serviços essenciais a uma ação do Poder Executivo, por ser mais expedita.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o presidente Reagan dispensou os 21 mil
profissionais que paralisaram o controle de voo em 1981, por se tratar de
ameaça à segurança nacional. Qual será a opção do Brasil? Haverá uma divisão de
alçada entre os poderes? Haverá lugar para as próprias partes estabelecerem
critérios em acordos e convenções coletivas?
5. Sanções para os ilícitos — Alguns países preferem usar a
lei penal. Outros usam a lei civil. Há ainda os que ficam apenas com a lei
trabalhista. Embora a atual Lei de Greve (Lei nº 7.783/1989), estendida ao
setor público pelo Supremo Tribunal Federal (STF), preveja o uso de medidas de
âmbito trabalhista, penal e civil, elas são raramente implementadas. Mesmo
quando a Justiça aplica multas, raramente são recolhidas. O importante aqui é
definir quem será responsável pelas ilicitudes: o sindicato, seus diretores ou
os filiados?
6. A regulação da negociação coletiva — O Brasil ratificou a
Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que abre espaço
para a negociação coletiva no setor público. Essa negociação tem
peculiaridades. Os governantes trabalham com recursos rígidos — definidos em
orçamento anual pelo Poder Legislativo. Além disso, são disciplinados pela Lei
de Responsabilidade Fiscal, que proíbe gastar mais do que se arrecada. Ou seja,
as margens de concessão de salários e benefícios são muito estreitas. Por sua
vez, os limites para avaliação e cobrança de resultados esbarram na questão da
estabilidade de emprego. Como equacionar tudo isso para se garantir negociações
transparentes e de boa-fé?
Em suma, estamos diante de assunto complexo, mas que precisa
ser encaminhado com urgência. Dilma Rousseff adiou a discussão quando podia ter
avançado — talvez por falta de apoio do presidente Lula. Agora, ao que tudo
indica, ela está disposta a resolver o assunto de uma vez por todas. Se isso
ocorrer, terá sido um bom subproduto das últimas greves. É sempre assim, só nos
lembramos de pôr a tranca na porta depois de arrombada...
José Pastore - Professor de relações do trabalho da FEA-USP
e membro da Academia Paulista de Letras (jpjp@uninet.com.br)