Zé Maria
Congresso em Foco
- 10/09/2012
“A greve impôs uma derrota política importante ao governo.
Mostrou que é o descaso que caracteriza a atitude do governo para com a
educação, a saúde, e os serviços públicos”
Estamos chegando ao final da maior greve no serviço público
federal, pelo menos desde 2003. Foram mais de três meses de paralisação que,
tendo como núcleo central os professores federais, estendeu-se para dezenas de
outros segmentos, criando um ar de greve geral do funcionalismo. Registre-se a
atitude aguerrida dos estudantes das universidades que também paralisaram suas
atividades, apoiando os trabalhadores e apresentando suas próprias
reivindicações.
No momento em que escrevo este artigo, a maioria dos setores já voltou ao trabalho e os comandos de greve dos professores das universidades e institutos federais discutem com a categoria o retorno ao trabalho ou a continuidade da greve no setor.
No momento em que escrevo este artigo, a maioria dos setores já voltou ao trabalho e os comandos de greve dos professores das universidades e institutos federais discutem com a categoria o retorno ao trabalho ou a continuidade da greve no setor.
As concessões feitas pelo governo ficaram muito aquém do que
era a reivindicação dos grevistas. Os mais de 10 bilhões de reais ao ano,
conquistados no orçamento dos próximos três anos para melhorar o salário dos
servidores são uma conquista, sem dúvida. Mas é preciso registrar que, para
muitos setores, o reajuste conquistado nem sequer repõe a perda inflacionária
do período considerado – 2011 a 2015. No caso dos professores federais, a
situação é ainda mais grave.
O governo quer promover um verdadeiro desmonte do plano de carreira dos docentes, impondo critérios que reforçam o conceito produtivista na educação, como se educar fosse uma mercadoria qualquer. Um verdadeiro crime contra a educação pública, que levou o setor a não assinar acordo com o governo e seguir a luta para impedir que este descalabro venha a se concretizar.
O governo quer promover um verdadeiro desmonte do plano de carreira dos docentes, impondo critérios que reforçam o conceito produtivista na educação, como se educar fosse uma mercadoria qualquer. Um verdadeiro crime contra a educação pública, que levou o setor a não assinar acordo com o governo e seguir a luta para impedir que este descalabro venha a se concretizar.
Assim, vemos que o movimento no seu conjunto, por muito
forte que tenha sido – e o foi – não teve forças para impor ao governo o
atendimento pleno de suas reivindicações. O que, sim, valoriza a conquista
alcançada é o contexto em que ela se deu: a situação em que ocorreu a greve
estava marcada pela ofensiva do governo no Congresso Nacional para aprovar um
projeto de lei que congelaria o salário dos servidores por dez anos.
O resultado da greve, visto por esta ótica, expressa o
profundo descompromisso do governo Dilma com o serviço público e com a
valorização dos servidores. O argumento da falta de recursos não resiste a
cinco minutos de leitura de qualquer órgão da grande imprensa. Encontram-se ali
profusões de notícias sobre o repasse de recursos públicos para grandes grupos
industriais, que já ultrapassou em muito a marca dos 100 bilhões de reais
(redução do IPI, desoneração da folha de salários, financiamento com juros de
“pai para filho” do BNDES, etc). Só para os bancos e grandes especuladores está
previsto, no orçamento deste ano, o repasse de cerca de um trilhão de reais
como pagamento da dívida pública.
E nada disso se destina a garantir o emprego dos
trabalhadores do setor privado, como reza a cantilena oficial. Fosse o caso de
garantir o emprego neste setor – que, aliás, segue demitindo e muito –, o que
deveria ser feito é a adoção pelo governo de uma medida legal que impedisse as
demissões, por um período determinado que seja. O governo dispõe de condições
políticas e de instrumentos jurídicos para fazê-lo. Falta vontade política.
Como faltou vontade política também para dialogar com os servidores, para ouvir
as reivindicações da categoria. Sobrou arrogância e truculência com
determinação de desconto dos dias parados, medidas autorizando a substituição
de grevistas, etc.
Mas seria um equivoco muito grande se a análise desta greve
e suas consequências ficassem nesta primeira leitura superficial da questão.
A greve impôs uma derrota política importante ao governo.
Afrontou a propaganda oficial – que reza que a prioridade do governo é o povo –
e conseguiu estabelecer um diálogo com amplos setores da população. Mostrou
que, na verdade, é o descaso que caracteriza a atitude deste governo para com a
educação, a saúde, e os serviços públicos que são tão necessários ao povo
brasileiro.
Que sua rapidez e determinação expressas no socorro às empresas e na garantia do lucro dos bancos é tudo que falta quando o caso é de dialogar com os trabalhadores e atender suas reivindicações. Esse feito político gerou um desgaste grande no governo – vide pesquisas de opinião sobre o governo Dilma publicadas semana passada – e foi o que o obrigou a negociar com os grevistas e atender, ainda que muito parcialmente, suas reivindicações. É certo que o que foi concedido não era o que os servidores queriam. Mas tampouco era o que o governo queria dar.
Que sua rapidez e determinação expressas no socorro às empresas e na garantia do lucro dos bancos é tudo que falta quando o caso é de dialogar com os trabalhadores e atender suas reivindicações. Esse feito político gerou um desgaste grande no governo – vide pesquisas de opinião sobre o governo Dilma publicadas semana passada – e foi o que o obrigou a negociar com os grevistas e atender, ainda que muito parcialmente, suas reivindicações. É certo que o que foi concedido não era o que os servidores queriam. Mas tampouco era o que o governo queria dar.
Assim, a greve dos servidores obteve uma vitória política
importante. Contribuiu para desgastar, desmistificar a propaganda oficial com
que o governo busca sistematicamente enganar o povo brasileiro. Enfraquece o
governo para os próximos embates.
Mas, para dentro do movimento é que vamos encontrar
conseqüências ainda mais importantes. Qualquer trabalhador com mediana
experiência de vida sabe que o recurso à greve é importante para pressionar seu
empregador a atender suas reivindicações. Esta convicção vinha se enfraquecendo
em setores da categoria. Foram muitas derrotas sofridas frente aos governos do
PT nos últimos anos.
Em muitos momentos, nem negociação houve. Esta greve muda radicalmente este cenário. O governo começou, em maio, dizendo que não haveria negociação nem concessão a nenhum setor, que cortaria o ponto dos grevistas. Depois, foi obrigado a anunciar que daria aumento aos professores federais e aos militares. Terminou como vimos. Grande parte do segredo desse resultado – além da forte disposição de luta dos servidores – foi a unidade construída entre as várias organizações que possibilitou a unificação da greve no tempo, em que pese as diferentes pautas de cada setor.
Em muitos momentos, nem negociação houve. Esta greve muda radicalmente este cenário. O governo começou, em maio, dizendo que não haveria negociação nem concessão a nenhum setor, que cortaria o ponto dos grevistas. Depois, foi obrigado a anunciar que daria aumento aos professores federais e aos militares. Terminou como vimos. Grande parte do segredo desse resultado – além da forte disposição de luta dos servidores – foi a unidade construída entre as várias organizações que possibilitou a unificação da greve no tempo, em que pese as diferentes pautas de cada setor.
Esta conclusão é muito importante. Primeiro, porque vai ser
referência e vai animar a construção das lutas futuras do funcionalismo
federal. Em segundo lugar, porque mostra o enfraquecimento, entre as
organizações dos servidores federais, da influência da central sindical que,
antes, era quase que completamente hegemônica no setor – a CUT. Esta central,
durante todos estes anos, desde a posse de Lula em 2003, foi e segue sendo um
instrumento do governo para desarticular e fragmentar a luta do funcionalismo,
tornando-o presa fácil das políticas do governo do PT. Não há como olhar para
esta greve sem ver que isto está mudando.
Tudo isso deve alentar a continuidade do esforço para a
construção da unidade para a luta, que tem contado inclusive com entidades
cutistas, pois mostra que é possível vencer obstáculos que antes pareciam
intransponíveis. E deve levar ao fortalecimento da perspectiva de construção de
uma alternativa de organização de todos os trabalhadores brasileiros, que
preserve sua independência frente aos governos e aos patrões.
E há ainda um terceiro fator a reforçar a importância das
lições da greve do funcionalismo. O exemplo dado necessariamente se incorpora
ao imaginário dos demais trabalhadores brasileiros. E muitos deles estão vindo
aí. Está começando a campanha salarial dos metalúrgicos de alguns estados, como
São Paulo e Minas Gerais, dos bancários em todo o país, dos petroleiros, dos
trabalhadores dos Correios, a luta contra as demissões nas montadoras de
veículos, as lutas dos movimentos populares por moradia, contra os despejos… O
segundo semestre, para alem das eleições, promete.
Zé Maria : Presidente nacional do PSTU, é dirigente sindical
metalúrgico e integra a Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas.