O Estado de S. Paulo - 10/09/2012
Criada pela Constituição de 88 para defender o Executivo nos
tribunais e assessorar juridicamente o presidente da República, a
Advocacia-Geral da União (AGU) está vivendo a maior crise de sua história.
Instalado em 1993, o órgão tem 7.481 integrantes, entre advogados da União,
procuradores federais e procuradores da Fazenda Nacional - todos selecionados
por concurso público. Mas, numa decisão tomada sem consulta a esses
profissionais, o chefe do órgão, Luís Inácio Adams, elaborou um projeto de lei
complementar que prevê a nomeação, como advogados federais, de pessoas de fora
da carreira e sem concurso.
O projeto foi encaminhado ao Congresso no dia 29 de agosto
pela presidente Dilma Rousseff. O Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal -
integrado por sete entidades de procuradores da Fazenda, Previdência Social, do
Banco Central e de procuradores lotados em autarquias e ministérios - acusa
Dilma e Adams de tentar aparelhar politicamente a AGU, colocando-a a serviço do
Partido dos Trabalhadores (PT). Para os dirigentes do Fórum, a partir do
momento em que Adams assumiu a AGU, em outubro de 2009, ela deixou de ser um
órgão de Estado, convertendo-se em órgão de assessoria jurídica e política dos
ocupantes do Palácio do Planalto e dos líderes da base aliada na Câmara e no
Senado.
Os dirigentes do Fórum também alegam que a gestão de Adams é
"caótica", do ponto de vista do interesse público, e afirmam que o
polêmico projeto de lei foi elaborado na surdina, para criar um fato consumado.
Pela legislação em vigor, apenas o advogado-geral da União pode ser de fora do
quadro de profissionais do órgão. Todos os demais cargos são exclusivos de
servidores concursados. Pelo projeto de lei complementar enviado por Dilma ao
Congresso, os postos de procurador-geral da União, procurador-geral da Fazenda
Nacional, procurador-geral federal, procurador-chefe do Banco Central,
consultor-geral e consultores jurídicos dos Ministérios são de livre indicação
do chefe da AGU - que, por sua vez, exerce um cargo de confiança do chefe do
Executivo.
O projeto de Adams tem outros pontos polêmicos. Ao redefinir
as atribuições do chefe da AGU, ele aumenta significativamente seus poderes
decisórios, esvaziando parte das competências dos advogados públicos concursados.
E também tipifica como infração funcional o parecer do advogado público que
contrariar as ordens de seus superiores hierárquicos. Assim, a vontade dos
procuradores-chefes, indicados com base em conveniências políticas,
prevaleceria sobre o entendimento técnico dos advogados de carreira.
Hoje, mesmo não sendo aprovados pelos chefes, os pareceres
dos advogados e procuradores são anexados aos processos administrativos e
judiciais - o que permite à população conhecer as discussões jurídicas travadas
dentro de órgãos e autarquias. "Vai ser falta grave o profissional
concursado da AGU contrariar a orientação administrativa de seu chefe. É o
outro lado do aparelhamento, ao tirar a independência funcional dos advogados
de carreira", diz Marcos Luiz Silva, presidente da Associação Nacional dos
Advogados da União. "A possibilidade de eliminação de pareceres contrários
ao entendimento do superior hierárquico fulmina a independência que se exige
para o exercício de uma advocacia de Estado, possibilitando intervenção
política em diversas matérias sensíveis à sociedade, como os pareceres em
licitações e convênios. O projeto é um atentado ao Estado Democrático de
Direito e põe em risco a existência da própria AGU", afirmam os dirigentes
do Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal.
Após a condenação do deputado João Paulo Cunha (PT-SP) pelo
Supremo Tribunal Federal, por crimes de corrupção, peculato e lavagem de
dinheiro, o presidente do PT, Rui Falcão, afirmou que o mensalão foi um
"golpe da elite", que recorreu a "setores conservadores da
Justiça para derrotar o partido".
O projeto de lei complementar que abre caminho para o
aparelhamento da AGU é a primeira tentativa efetiva do PT de interferir no
universo jurídico, esvaziando sua independência e atrelando-o aos interesses do
partido.