Vera Batista
Correio Braziliense -
06/11/2012
Em protesto contra a decisão do governo de não conceder
aumento à categoria, servidores descumprem os planos de metas do Fisco. Somente
no terceiro trimestre, as ações visando contribuintes que deixaram de pagar
impostos caíram 61%
Para pressionar o governo a atender seus pleitos de aumento
de salários, os auditores-fiscais da Receita Federal estão afrouxando o combate
à sonegação. Levantamento obtido pelo Correio mostra que nenhuma das regionais
do Fisco está cumprindo as metas de recuperação de impostos não pagos
detectados pela malha fina. Segundo os planos traçados pelo comando do órgão, o
objetivo era reaver ao menos 65% dos tributos devidos. Na média das 10 regiões
fiscais, o índice de recuperação está em 56%.
A chamada operação crédito zero foi mais agressiva no
terceiro trimestre do ano, diante da decisão do Palácio do Planalto de não
fechar acordo com a categoria, que recusou a proposta de reajuste de 15,8% em
três anos, aceita por 93% do funcionalismo federal.
Entre julho e setembro
deste ano, o Leão expediu apenas 1.209 ações contra os sonegadores ante as
3.160 de igual período de 2011 — um recuo de 61,7%. Com isso, as perdas para os
cofres do governo poderão chegar a R$ 7,6 bilhões. No terceiro trimestre de
2011, as cobranças totalizaram R$ 16,8 bilhões. Em igual prazo deste ano, as
notificações atingiram R$ 9,2 bilhões, uma queda de 45%. Procurada, a Receita
não quis comentar.
A continuar esse movimento, que, segundo os auditores,
durará até que o governo reabra as negociações e proponha um aumento maior do
que os 15,8%, a tendência da arrecadação será de diminuição, pois a sonegação
vai aumentar. "Nos últimos meses, o governo já foi obrigado a rever, para
baixo, a estimativa de arrecadação. No início do ano, falavam em aumento real
(acima da inflação) de até 8%. Depois, reduziram para 4,5% e, agora, preveem
expansão de apenas 1,5%. Não tem jeito. A Receita não terá a nossa total
colaboração", disse um técnico do Ministério da Fazenda.
Os auditores são taxativos e já descartam, no caso de
prosseguimento da operação crédito zero, o aumento adicional de R$ 23,8 bilhões
nas receitas em 2013, conforme a proposta orçamentária que está em tramitação
no Congresso. "Quanto mais o governo se mostrar intransigente nas
negociações, mais vamos reagir", acrescentou uma das lideranças do
movimento dos funcionários da Receita, que começou em 18 de julho último.
"Infelizmente, o Indicador de Desempenho da Fiscalização (IDF) só vai
decepcionar. Os lançamentos de créditos tributários ficarão aquém do projetado
pela Receita. Vamos reforçar nossa ações, de não lançamento de tributos em
todas as superintendências", acrescentou.
No que depender do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais
(Sindifisco Nacional), a pressão sobre o governo será total. Ontem, Pedro
Delarue, presidente da entidade, e Ayrton Bastos, secretário-geral,
participaram de reuniões no Rio de Janeiro e em Brasília para debater as
estratégias da campanha salarial, intensificar a mobilização até dezembro e
manter o foco na operação crédito zero. Esses encontros se repetirão hoje. O
objetivo, conforme o sindicato, é "impactar as metas gerenciais (do
governo) neste último trimestre de 2012 e ativar ainda mais o movimento para o
ano de 2013".
"Já está claro que o governo não conseguirá cumprir a
meta de superavit primário deste ano, de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB). O
Ministério da Fazendo vem alegando que a economia menor para o pagamento de
juros da dívida pública decorre da desaceleração da atividade econômica. Em
parte, é verdade. Mas poderíamos compensar esse desaquecimento da atividade
apertando mais os sonegadores. Se fizéssemos isso, certamente o superavit seria
maior", disse um integrante do Sindifisco.
Histórico
Ele lembrou que a categoria tentou, ao longo de 2011,
negociar com o governo, sem sucesso. As conversas eram empurradas com a
barriga. Neste ano, os auditores estabeleceram um calendário próprio para que o
Ministério do Planejamento apresentasse resposta a antigas reivindicações. Como
não receberam o tratamento esperado, decidiram pressionar com operações padrão
em portos, aeroportos e fronteiras e com o crédito zero.
O governo reagiu imediatamente, com o Decreto 7.777/2012 ,
que autoriza a transferência, mediante convênio, de atividades privativas dos
auditores da Receita para fiscais dos estados, Distrito Federal e municípios. O
Ministério da Fazenda publicou, também, as Portarias 260 e 275, sobre liberação
de mercadorias importadas e definição de modelos de convênios para a
fiscalização estadual. Com isso, os auditores, em protesto, entregaram cargos
de chefia em 87 localidades. As funções ainda estão vagas.