sábado, 3 de novembro de 2012

O debate sobre o direito de negociação coletiva dos servidores públicos


BSPF     -     03/11/2012




O Direito Sindical, para que seja pleno, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), pressupõe a liberdade de organização e filiação, a garantia de mecanismos de solução de conflitos, incluindo a negociação coletiva, e o direito de greve. Estes princípios são universais e valem para todos os trabalhadores, inclusive os do setor público.


A OIT, para dar efetividade ao tripé da organização sindical (liberdade de organização, direito de greve e negociação coletiva), editou várias convenções internacionais, tendo o Brasil ratificado, entre outras, a Convenção 154 sobre negociação coletiva, em 1992, e a Convenção 151, que assegura a promoção e a defesa dos interesses dos trabalhadores da função pública, nos três níveis de governo (municipal, estadual e federal), em 2010.


A Constituição brasileira reconhece, em sua plenitude, esses direitos aos trabalhadores do setor privado (artigos 7º, inciso XXVI, 8º e 9º da Constituição Federal), mas restringe sua aplicação para os servidores públicos. O artigo 37 da Constituição (incisos VI e VII) garante aos servidores: 1) sem restrições, o direito de associação sindical, e 2) nos termos e limites de lei específica, o direito de greve. É omisso quanto à negociação coletiva.


Nesse sentido, a vigência da convenção 151 da OIT é fundamental porque ela poderá suprir essa lacuna em relação à negociação no serviço público, obrigando o Estado brasileiro a aplicar os princípios da convenção em sua legislação e em suas práticas nacionais, e, com isto, garantir a "instauração de processos que permitam a negociação das condições de trabalho entre as autoridades públicas interessadas e as organizações de trabalhadores da função pública".


Entretanto, passado um ano e cinco meses do depósito do registro da ratificação da convenção perante a OIT, ocorrido em junho de 2010, o governo brasileiro ainda não adequou a sua legislação aos princípios da Convenção, entre outras razões, por disputa entre dois ministérios: o do Trabalho, e do Planejamento. O governo, que deixou de promover a adequação de sua legislação ao texto da convenção no prazo de um ano, já está sujeito a denúncias que poderão resultar em censura ou punição ao País por descumprimento de tratados internacionais.


A regulamentação da Convenção, para que tenha vigência no Brasil, exige a propositura de lei ou leis com regras gerais sobre: 1) os processos de solução de conflitos nas relações de trabalho do setor público, devendo prever a negociação, a conciliação, a mediação ou a arbitragem, além da definição dos critérios para participação das entidades; 2) as garantias dos dirigentes sindicais, inclusive a liberação para efeito de participar do processo de negociação; e 3) o direito de greve, em caso de frustração da negociação. 


O impasse está posto. De um lado, a Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, reivindica o direito de propor os projetos lei, já que lhe cabe promover a negociação em nível de governo federal. De outro, a Secretaria de Relações de Trabalho do Ministério do Trabalho, que tem a competência de tratar sobre relações de trabalho no País, não abre mão de propor a regulamentação.


A divergência não se limita apenas à competência ou à prerrogativa de propor a legislação, mas alcança também, e principalmente, o formato e o conteúdo da regulamentação. O Ministério do Trabalho entende que, em face de ausência de regras claras sobre o enquadramento sindical dos servidores públicos, a lei deve disciplinar este aspecto, submetendo as entidades sindicais dos servidores ao sistema confederativo, ao princípio da unicidade sindical e ao sistema de custeio previsto na Constituição, visão rechaçada pelo Ministério do Planejamento.


O Ministério do Planejamento, por sua vez, elaborou três minutas de anteprojeto de lei sobre o tema, em cumprimento a termo de compromisso assinado com algumas entidades sindicais de âmbito nacional. Uma minuta de caráter geral, valendo para os três níveis de governo (união, estados e municípios) e duas específicas para a União. Destas, uma dispõe sobre afastamento de dirigentes sindicais e outras disciplina o funcionamento do Sistema Nacional de Negociação Permanente no âmbito do Poder Executivo Federal, no qual admite apenas entidades de representação geral e de abrangência nacional.


Na minuta de caráter geral, com princípios válidos para os três níveis de governo, o anteprojeto do Ministério do Planejamento dispõe sobre o tratamento de conflitos e estabelece as diretrizes básicas da negociação coletiva, inclusive o direito de greve, e reconhece como preceito constitucional indissociável da democratização das relações de trabalho a liberdade de associação sindical, a negociação coletiva e o direito de greve, mas nato trata da estrutura sindical.


Já a minuta de anteprojeto, formulada em grupo de trabalho no âmbito do Ministério do Trabalho, além de tratar da solução de conflitos, do direito de greve e da liberação de dirigentes sindicais, determinando sua aplicação aos três níveis de governo, também submete a organização dos servidores públicos ao sistema confederativo, ao principio da unicidade e à forma de custeio das entidades sindicais do setor privado, que inclui a contribuição sindical e a negocial ou assistencial, além da mensalidade descontada diretamente dos sócios.


Enquanto o impasse não é superado, perdem todos. Perdem os servidores, porque não terão instrumentos para forçar a negociação. Perde o País, porque fica sujeito a censura ou punição internacional. E perde o Governo, que ficará com a imagem negativa perante a OIT e aos demais órgãos das Nações Unidas. 


Os servidores, além de denunciar o não cumprimento da convenção, devem pressionar o governo e o Congresso para a imediata regulamentação, sob pena de ficarem mais um ano sem negociação salarial e de condições de trabalho.

Antônio Augusto de Queiroz
Jornalista, analista político, diretor de Documentação do Diap



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