Salários públicos mais desiguais
Maíra Amorim
O Globo - 09/12/2012
Estudos mostram que cresceu a disparidade na remuneração dos servidores federais e estaduais. Apenas na esfera municipal, ela caiu
Se um servidor federal ganha X, o estadual recebe metade de X e o municipal, 50% deste segundo valor. Na média, é essa a tendência das remunerações no serviço público, o que provoca uma forte disparidade entre as três esferas. Tem gestor estadual com salário inicial de R$ 3.800, e federal, com R$ 13 mil. Um médico ganhando R$ 3 mil e outro mais de R$ 7 mil em prefeituras distintas. Motorista do Senado recebendo R$ 3.200 e motorista de município, R$ 800.
Apesar de a desigualdade social vir diminuindo nos últimos anos no Brasil, a salarial está aumentando dentro do serviço público, conforme divulgado na última semana pelo Boletim de Mercado de Trabalho do Ipea. No caso dos funcionários federais, por exemplo, o Índice de Gini, que mede a concentração de renda (quanto mais perto de 1 maior a desigualdade), passou de 0,8728 para 0,8973, entre 2002 e 2009. Entre os estaduais, de 0,7510 para 0,7783; enquanto a esfera municipal registrou queda: de 0,6051 para 0,5678.
- Isso mostra que funcionários de alguns cargos nos setores federais e estaduais estão ganhando mais do que os outros - explica Eduardo Freguglia Daré, mestre em Teoria Econômica pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas e co-autor da nota do Ipea. - Por conta dessa desigualdade interna, inclusive, o funcionalismo público não contribui para a redução da desigualdade de renda.
Mil reais para médico no interior
É fácil encontrar editais de concursos que oferecem remunerações discrepantes entre cargos que exigem o mesmo nível de escolaridade e qualificação. Ou até salários para cargos que exigem ensino médio que são maiores do que outros destinados ao nível superior, com especialização.
O salário de mil reais para um médico por 20 horas de trabalho semanais é o oferecido no concurso em andamento da prefeitura de Brejo da Madre de Deus, em Pernambuco. Já o Senado paga R$ 3.202,94 a seus motoristas, como é possível consultar no Portal Transparência do órgão - o site ainda registra que um analista legislativo que tenha especialidade em medicina pode ganhar R$ 20.959,99 ou, com descontos, R$ 18.277,31.
A presidente Dilma Roussef recebe, por mês, R$ 26.723,13 brutos, que caem para R$ 19.818,49.
- É natural que haja hierarquia entre as diferentes esferas de poder (federal, estadual e municipal), porque cada uma tem recursos e responsabilidades diferentes - afirma Mônica Pinhanez, professora da Ebape/FGV de Administração Pública e Finanças Públicas. - Mas não justifica tanta diferença. Deveria haver proporções mais razoáveis.
CRESCE COMPETITIVIDADE EM CONCURSOS
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, parece concordar. Tanto é que, na última semana, derrubou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que autorizava o pagamento de salários acima do teto constitucional para 168 servidores do Tribunal de Contas. Eles tiveram os salários, que chegavam a R$ 50 mil, reduzidos ao teto de R$ 24,1 mil.
- O problema da discrepância salarial acaba causando constrangimento para o trabalhador - defende Josemilton Costa, diretor do Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no Estado do Rio de Janeiro (Sintrasef) e secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef). - Isso acontece porque o governo federal não tem uma política de recursos humanos definida.
Eduardo Daré apresenta outras hipóteses para os salários fora de ordem. Ele atribui a expansão da diferença de renda no setor público em geral a fatores como aumentos no governo Lula e ao crescimento da competitividade para passar em um concurso, que exige maior qualificação dos funcionários:
- Tem que haver uma balança. Profissionais com grandes cargas de estudo devem ganhar mais. Mas, de maneira geral, essa desigualdade interna é negativa para o país.