sábado, 2 de março de 2013

Cota para idosos em concursos gera polêmica


Congresso em Foco     -     02/03/2013




Projeto de Lei sugere reserva de 5% para quem tem mais 60 anos com base no aumento da expectativa de vida. Professores acreditam em efeito negativo entre concurseiros


Em um ambiente naturalmente competitivo como a área dos concursos públicos – onde a quantidade de interessados em preencher vagas é bem superior ao número de cargos disponíveis -, a ideia de estabelecer cota para um grupo social, baseada em critérios de idade, acende a polêmica envolvendo temas como isonomia e discriminação positiva em processos seletivos.


O Projeto de Lei 60/09 que tramita no Senado Federal, de autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), pretende estipular para os idosos uma cota de 5% das vagas em concursos públicos. A falta de consenso sobre o tema paralisou, desde 2011, a análise da proposta.


A população brasileira vive hoje, em média, 68,6 anos, 2,5 anos a mais do que no início da década de 1990. Estima-se que em 2020 a população com mais de 60 anos no país deva chegar a 30 milhões de pessoas (13% do total) e a esperança de vida deve atingir 70,3 anos. Para os defensores do projeto, a importância dos idosos para o Brasil não se resume à crescente participação no total da população, estendendo-se à questão econômica, já que uma parcela significativa dos idosos hoje são chefes de família cuja renda média é superior àquelas chefiadas por adultos não-idosos.


Valadares lembra que a Constituição Federal já reserva um percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas com deficiência. Por decreto federal, o mínimo é de 5%, enquanto que pela Lei nº 8.212/90, o máximo é de 20%, cabendo aos Estados e municípios, em suas competências, fixarem os percentuais destinados aos deficientes físicos.


Para defender a iniciativa, o senador ressalta o crescente envelhecimento da população brasileira. Segundo ele, os idosos são hoje 14,5 milhões de pessoas, ou seja, 8,6% da população total do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O IBGE considera idosas as pessoas com 60 anos ou mais, mesmo limite de idade utilizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para os países em desenvolvimento.


No entanto, a iniciativa de estipular cotas para idosos em concursos públicos não é bem vista por professores de cursinhos preparatórios. O professor Wagner Filho, que ministra aulas de Raciocínio Lógico e Matemática aplicada à concursos no Piauí, lembra que apesar do Brasil ser um país jovem, a quantidade de idosos é significativa, sendo que muitos encontram-se ativos e representando o papel de chefe da família.


“Acredito que existam outras maneiras de contribuir com essa parcela da população, como melhorar o sistema previdenciário e criar cursinhos preparatórios para idosos, incentivando-os aos estudos”, pondera. Ele admite, no entanto, que esta é uma discussão polêmica e subjetiva. “O fato de ser idoso não qualifica o mesmo como incapaz de ingressar na carreira pública. Conheço casos de pessoas aposentadas que voltaram a se dedicar aos estudos e obtiveram êxito em concursos, inclusive em primeiro lugar”, diz.


Segurança


Antônio  Carlos Valadares argumenta que o envelhecimento da população brasileira é reflexo do aumento da expectativa de vida, ou seja, uma consequência direta dos avanços no campo da saúde e da redução da taxa de natalidade. Ele ressalta ainda que é importante garantir trabalho para os adultos não-idosos, o que não seria incompatível com o dever de se assegurar trabalho aos idosos, especialmente quando o número de pessoas acima de 60 anos irá crescer com o passar dos anos no Brasil.


“Por um lado, observa-se a frustração e a baixa auto-estima de muitas pessoas que não tiveram oportunidade de realizar suas aspirações de ingressar no serviço público e obter maior segurança social com a investidura em cargo ou emprego público, ainda que seja em fase avançada da idade. Por outro lado, a sociedade deixa de ser beneficiada pela contribuição social e profissional que pessoas mais maduras e experientes podem oferecer”, argumenta Antônio Carlos Valadares.


O professor, porém, acredita que a aprovação do projeto pode causar um efeito negativo nos concurseiros, desestimulando aqueles que não se encaixam nos critérios de cota para idosos. “Apesar de 5% das vagas não ser uma quantidade relativamente grande, para aqueles que tanto se dedicam para passar em concurso é desestimulante saber que existe a possibilidade de alguém ingressar com uma pontuação menor que a sua”, critica o professor.


O PLS nº 60 de 2009 está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aguardando designação de relator desde 2011. A decisão é de caráter terminativo e após aprovação segue diretamente para votação no Plenário. O projeto já foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado. Valadares disse ter a preocupação de considerar aquelas situações em que o provimento do cargo ou emprego público é incompatível com o idoso, justamente em virtude da idade, como por exemplo, o concurso para policial que irá trabalhar diretamente na rua em perseguição aos bandidos, ou a seleção para bombeiro.


“Nesses casos, a Administração Pública, no sentido amplo, estará dispensada de reservar o percentual das suas vagas para ingresso por meio de concurso público, tal como já previsto no art. 27 do Estatuto do Idoso”, defende.


Como os beneficiados pela cota terão privilégios ao ingressar na carreira pública, o professor ressalta que o projeto pode, inclusive, ferir a isonomia entre os candidatos. “O projeto da cota tem por objetivo facilitar o ingresso de idosos em concursos públicos. Sendo assim, provavelmente candidatos com boa pontuação terão sua vaga preenchida por um idoso com pontuação inferior”, frisa Wagner Filho.


Exemplo


A inspiração do projeto de autoria do senador de Sergipe, que poderá ter alcance nacional se for aprovado e sancionado pela Presidência da República, chegou aos municípios. Em 15 de janeiro, foi protocolado na Câmara de Vereadores de Curitiba (PR) um projeto de lei que também prevê cotas em concursos públicos para a contratação de pessoas com mais de 60 anos de idade. A proposta foi apresentada pelo vereador Serginho do Posto (PSDB). A diferença para a proposta de Valadares é o percentual de vagas. O texto que tramita no Senado prevê 5%, enquanto o do tucano de Curitiba 10% na administração direta, indireta, nas fundações e autarquias municipais.


Além disso, no caso de Curitiba, as pessoas com mais de 60 anos só poderiam ter direito ao benefício se fizessem um requerimento no ato da inscrição no concurso. Menos de dez dias após começar a tramitar no Legislativo Municipal, o autor do projeto o retirou de pauta, alegando que o Estatuto do Idoso, que vale em todo o país, poderá determinar o benefício.


O Estatuto do Idoso veda a fixação de limite máximo de idade como quesito para admissão em emprego público, ressalvadas as situações em que a natureza do cargo o exigir. Mesmo reconhecendo que o país possui uma população idosa cada vez mais ativa, o incentivo legislativo brasileiro à reinserção no mercado de trabalho das pessoas acima de 60 anos não apaga os questionamentos sobre as limitações decorrentes do envelhecimento e o respeito ao direito igualitário daqueles que postulam ingressar na carreira pública.



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