Correio Braziliense
- 14/08/2013
Contratadas por três ministérios, as empresas Adminas e
Delta não pagaram os trabalhadores. Mesmo tendo repassado os recursos, a União
terá que arcar com os salários atrasados.
O governo federal sentiu na pele a precariedade do trabalho
terceirizado no país ao levar um calote de duas empresas prestadoras de
serviços nos ministérios da Fazenda, da Justiça e da Integração e também no
Banco do Brasil. As empresas Adminas Administração, com sede em Belo Horizonte,
e a Delta Locação de Serviços e Empreendimentos, baseada em Lauro de Freitas
(BA), receberam os recursos para honrar os salários de seus funcionários, mas
deixaram centenas de trabalhadores de mãos abanando. Os órgãos, agora, terão de
garantir o pagamento dessas pessoas, que não têm outra fonte de renda.
Às vésperas da apreciação, na Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, do projeto de lei 4.330, que promete
regulamentar e expandir a atividade, a polêmica é grande, e o sentimento dos
trabalhadores terceirizados é de pesar. Recepcionista no Ministério da Justiça,
Laís Nogueira, de 23 anos, disse que a Adminas não depositou o salário de mais
de 500 funcionários, apesar de constar, no portal Transparência, que o repasse,
de R$ 1,782 milhão, referente aos serviços prestados, foi feito.
“No Paraná, já houve uma greve dos trabalhadores por falta
de pagamento. Segunda-feira, a sede da empresa, em Minas, amanheceu de portas
fechadas, e os colegas foram orientados por seguranças a se dirigirem ao
sindicato. Em Brasília, os representantes simplesmente desapareceram. Os
terceirizados não têm a quem recorrer”, lamentou Laís.
Na tarde de ontem, a sede da Adminas, em Belo Horizonte,
continuava de portas fechadas e ninguém atendia o interfone. O assessor
jurídico da empresa Maurílio Ramos explicou que a companhia está se valendo de
uma instrução normativa do governo federal para que os órgãos que contrataram
os serviços retenham as faturas que repassariam à prestadora para honrar os
salários dos empregados lesados. Ele empurrou o problema para o governo,
alegando que a companhia foi vítima de calote primeiro.
“Não houve encerramento das atividades da Adminas. Ainda
estamos negociando com os órgãos para os quais prestamos serviços”, disse
Ramos. Segundo ele, a empresa tem quatro mil funcionários. “A inadimplência dos
órgãos para os quais a firma presta serviço é o que pode levá-la a encerrar as
atividades. Eles não pagaram a Adminas. Agora, devem fazer o acerto direto com
os trabalhadores. Todos os órgãos já foram avisados”, completou.
Demissões
No Banco do Brasil, a situação se repete. Pedro Bruno da
Silva Alves, de 21 anos, atendente no BB, afirmou que apenas os benefícios,
como vales-alimentação e transporte, foram depositados e que nenhum dos
terceirizados recebeu o pagamento referente a julho. Ana Karen da Silva
Pinheiro, de 24 anos, também terceirizada no BB, está preocupada. Ela foi
demitida no mês passado e dia 7 de agosto deveria receber a rescisão pelo
trabalho de dois anos na agência. “Entrei em contato com o responsável pela
Adminas. Ouvi que estamos todos no mesmo barco e que ele também não recebeu seu
salário”, disse.
Segundo a assessoria do BB, a instituição tem 130 empregados
terceirizados da Adminas para a prestação de serviços. “Nos casos de abandono
de serviço, o banco formaliza, com a Justiça do Trabalho, procedimento para o
pagamento dos salários e das demais verbas trabalhistas diretamente aos
terceirizados”, explicou. O BB, que neste momento tem processos administrativos
por descumprimento de obrigações trabalhistas contra 11 empresas terceirizadas,
também tem 414 empregados da Delta, empresa que deixou os trabalhadores da
Fazenda a verem navios.
Cerca de 700 funcionários da Delta trabalham em 19 áreas do
Ministério da Fazenda. O contrato garantia um repasse mensal de R$ 1,6 milhão à
empresa. Na semana passada, a Delta encaminhou carta ao ministério alegando
dificuldades financeiras para permanecer com o contrato. “O Ministério da
Fazenda assumirá o pagamento da folha até a realização de nova licitação”,
afirmou a assessoria de imprensa do órgão. Nos próximos meses, em vez de
repassar o dinheiro à prestadora, pagará diretamente os trabalhadores.
Na sede da empresa Delta, na Bahia, os telefones não
atendem. Numa filial, no Rio de Janeiro, um atendente confirmou que o problema
existe e inclusive mencionou falta de pagamento a funcionários de uma agência
da Caixa Econômica Federal, mas disse que somente a sede poderia se manifestar.
Fragilidade
O calote recebido pelo governo expõe uma situação vivida
pelos trabalhadores terceirizados já há algum tempo: a insegurança quando as
empresas decretam falência ou simplesmente somem do mapa. Nesses casos,
atualmente, a própria contratante é responsável por arcar com os salários não
pagos e encargos trabalhistas. O polêmico projeto de Lei 4.330, que promete
regulamentar e expandir a terceirização, além das “atividades meio”, como é
permitido atualmente, deve mudar a responsabilidade pelos prejuízos.
Segundo o deputado Arthur Maia (PMDB-BA), relator da
proposta na CCJ, se aprovado, o projeto cria exigências para que a empresa
comprove capacidade de pagamento e calotes como esses não se repitam.
“O projeto prevê uma conta vinculada, da qual o dono da
empresa — se vier a desaparecer — não pode retirar o dinheiro durante 90 dias,
até que sejam garantidos os salários e as rescisões”, disse Maia. Quem
contratar os serviços de terceiros deve fiscalizar o trabalho, pois apenas se
for comprovado que não houve a fiscalização, é que terá que arcar com as
despesas.
Pressão no Congresso
A votação, inicialmente, estava prevista para ontem. Um
pedido de nova reunião por parte dos sindicalistas, no entanto, provocou
adiamento. O novo parecer do relator foi encaminhado à CCJ ontem pela manhã e
poderia entrar na pauta de hoje. A pedido do presidente da comissão, no
entanto, a votação foi postergada novamente, em razão da quantidade de “itens
importantes” a serem discutidos. Uma reunião está marcada para a segunda-feira
que vem. É possível que o PL seja votado na terça-feira da semana que vem.
Apesar de ficar de fora da pauta da CCJ de hoje, o movimento dos empresários
deve entrar com um requerimento para incluir o projeto como “extrapauta”, para
adiantar a votação.
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