Bárbara Nascimento e Antonio Temóteo
Correio Braziliense
- 22/01/2014
interesse pelo
serviço público se concentra em pessoas com até 30 anos e graduadas, inclusive
recém-formadas. Analistas percebem o início de um processo de
"rejuvenescimento" da máquina pública
Eles e elas estudam
horas a fio e deixam de lado, muitas vezes, a família, os amigos e os amores.
Tanto esforço tem um único objetivo: ingressar no serviço público. São milhões
de brasileiros que, nas salas de cursinhos e em bibliotecas de todo o país,
preparam-se para se tornar o futuro do funcionalismo. O Correio traçou, nas
últimas semanas, um perfil de quem são os interessados em ocupar um dos
cobiçados postos públicos.
Os candidatos são, em sua maioria, jovens e mulheres. Têm
entre 18 e 30 anos. “As pessoas saem da faculdade e emendam com o cursinho,
rapidamente ganham ritmo de estudo e logo passam no concurso”, explica a
coordenadora pedagógica do IMP Concurso, Ranil Aguiar. Por isso mesmo, acabam
tendo o serviço público como primeiro emprego. Recém-formada, a arquivista
Flora Reinharbt Carvalho, 21 anos, por exemplo, concluiu a graduação na
Universidade de Brasília (UnB) há 10 meses e já se dedica a entrar na carreira
pública.
“Procurei emprego na rede privada, fiz até algumas
entrevistas, mas, como a maioria dos meus colegas, acabei me rendendo ao
funcionalismo. Falta mercado”, justifica. Filha de uma servidora, ela conta que
recebeu muita influência em casa. “Minha mãe diz que é importante garantir o
meu futuro, nunca vou precisar me preocupar com desemprego”, completa. Flora
disputa uma vaga de arquivista na Polícia Federal.
O sonho de ter o governo como patrão não se restringe,
contudo, a quem tem nível superior, mas também aos que acabaram de sair do
ensino médio. Apesar de os graduados ainda serem maioria entre os candidatos —
cerca de 70% dos alunos de cursinho entrevistados —, há um número crescente de
pessoas que preferem assegurar o emprego no setor público antes mesmo de
ingressarem na universidade.
Hoje, na rede Gran Cursos, 5% dos alunos têm menos de 18
anos. “São filhos de servidores. Os pais os estão orientando a buscar primeiro
a estabilidade e, depois, o nível superior”, explica Wilson Granjeiro,
proprietário do curso. Não à toa, já existe no Distrito Federal uma escola que
leciona, no ensino primário, matérias de direito, que caem em concursos.
Sangue novo
Um fator preponderante é que o governo tem ofertado muitos
cargos de nível médio nos últimos anos. “Isso é muito positivo para a
administração pública. É sangue novo, gente com ideias, energia e vigor para
oxigenar a máquina pública, que vinha envelhecendo”, diz o empresário. De fato,
segundo dados referentes a 2013 da Escola Nacional de Administração Pública, a
maior parte dos servidores do Executivo civil — 37% ou 237,3 mil pessoas — tem
entre 46 e 60 anos.
Danilo Oliveira Luiz, 21, é um dos candidatos que preferiram
deixar a graduação de lado até poderem se sustentar. “Não quero ficar quatro ou
cinco anos na faculdade para depois não ter emprego e prestar concurso para
algo fora da minha área de formação”, explica. Apesar disso, ele conta que não
pretende fazer carreira na administração pública. “Não é meu sonho, a
estabilidade não me atrai. Quero ser empreendedor. Em um órgão público, vou
poder ganhar experiência, fazer um curso superior e juntar dinheiro para montar
o meu negócio”, completa.
É comum também que os filhos tenham apoio dos pais para
tomar tal decisão. Ao optar por deixar a universidade para depois, Danilo teve
o incentivo da mãe, servidora do Hospital Regional da Asa Norte (Hran), em
Brasília. “Ela espera o mesmo para a minha irmã. Não quer que ela curse
faculdade agora para ter um salário de estágio de R$ 500, enquanto pode ter um
emprego e, depois, fazer um curso superior”, completa ele.
Dupla jornada
Entre as pessoas que preferiram se graduar antes de entrar
no serviço público, muitas nem sequer têm passagem pelo mercado de trabalho.
Elas abrem mão da experiência e se dedicam ao preparo para algum cargo no
setor. E, não raramente, têm já no primeiro emprego salários acima de R$ 10
mil, o que é difícil na iniciativa privada.
A biblioteconomista Rebeca Moura de Lima, 23, está entre
esses recém-formados. Ela chegou a negar um convite de uma empresa para correr
atrás de se tornar servidora. “Não sei se me arrependo, mas recusei porque
fiquei com medo de não conseguir estudar”, diz. No momento, ela se prepara para
o certame do Metrô do Distrito Federal. “Queria algo na minha área, mas sempre
são pouquíssimas vagas. Nesse caso, especificamente, só uma”, conta.
Analista de recursos humanos e ex-professor do Departamento
de Administração da Universidade de Brasília (UnB), Jorge Pinho avalia,
contudo, que essa dinâmica pode não ser tão benéfica para o serviço público. “O
fato de o jovem conseguir sair direto da faculdade ou do ensino médio e ingressar
no funcionalismo significa que as seleções públicas estão sendo malfeitas,
porque avaliam apenas o conhecimento formal, escolar, e não a real
aplicabilidade dele”, explica. “Quem paga por isso é, sobretudo, a sociedade,
que depende do serviço dele”, conclui Pinho.
Dedicação exclusiva
Entre os
concurseiros, é comum encontrar também quem tenha abandonado o emprego. “Há uma
parcela, ainda que menor, dos que decidem se dedicar somente aos estudos”,
explica o presidente da Vestconcursos, Ernani Pimentel. “Essas pessoas vendem
carro, moto, fazem um investimento na preparação”, completa Ranil Aguiar,
coordenadora do IMP. Ex-funcionária terceirizada de um órgão público, Diná
Gabriel Silva, 35, foi demitida há cerca de um ano. Depois disso, nem procurou
outra ocupação.
“Optei por apenas estudar”, justifica Diná, que assiste a
aulas no cursinho sete dias por semana para conseguir uma vaga na área
policial. Ela conta que, durante o tempo de serviço como terceirizada, observou
como era o trabalho dos funcionários públicos e, então, resolveu que gostaria
de ser um deles. Além disso, ela acredita que o setor privado é pesado e cheio
de cobranças. “Todos os dias, quando pego o ônibus de Santa Maria para o
cursinho, escuto as pessoas reclamarem. Todo mundo está estressado com a
rotina”, comenta.
Todas as classes
O sonho de conseguir uma vaga no serviço público não é
privilégio somente dos mais abastados. De acordo com os diretores de cursinhos
do Distrito Federal, pessoas das classes A, B, C e D enchem as salas de aula
atrás de uma vaga no setor. Eles reconhecem, no entanto, que a classe B é a
mais presente. “Mas temos muitos alunos de renda inferior. São jovens que
precisam de uma alternativa e que, por isso, são muito competitivos. A
necessidade é um grande estímulo”, explica Wilson Granjeiro, dono do Gran
Cursos.
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