Djalma Oliveira
Jornal Extra
- 17/02/2014
Se você fosse um técnico de futebol, dificilmente escalaria
um atacante para jogar de goleiro. Mas é mais ou menos isso o que costuma
acontecer no setor público. Por causa da falta de pessoal, funcionários acabam
desempenhando atividades para as quais não foram contratados, sem receber uma
compensação por isso. É o desvio de função, termo conhecido entre os
servidores. Mas o funcionário que enfrenta esse problema no trabalho pode
receber uma indenização, se recorrer à Justiça.
Isso acontece nos casos em que o servidor estiver
desempenhando uma função típica de um cargo com o salário maior do que o dele.
— O valor da indenização corresponde à diferença entre os
salários dos dois cargos durante o período em que se caracterizar o desvio —
diz o advogado Jean Paulo Ruzzarin, do escritório Cassel e Ruzzarin Advogados.
Ainda de acordo com ele, se essa compensação financeira for
concedida, ela será corrigida monetariamente e com direito aos atrasados dos
últimos cinco anos, desde que o servidor tenha ficado todo esse tempo em desvio
de função.
— É um dos problemas mais recorrentes no serviço público —
afirma o advogado, cujo escritório atende mais de 150 pessoas com ações sobre o
tema.
Para o advogado Carlos Henrique Jund, do escritório Jund
Advogados Associados, o desvio de função agride o princípio da legalidade
administrativa:
— É obrigar o servidor, sem amparo legal, a ter atribuições
diferentes das previstas para o cargo no qual ele ingressou por meio de
concurso público.
O técnico judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Rio
de Janeiro (TRE-RJ) Gustavo Cezar Franco, de 34 anos, entrou, com outros
colegas de trabalho, com uma ação para receber uma indenização.
— Passei a cumprir mandados, entregar notificações e
intimações, funções de um oficial de justiça. Eu me sinto lesado. É como se
fosse um enriquecimento ilícito por parte do governo, que paga mais barato pelo
serviço — reclamou.
NO ÓRGÃO
A primeira providência a ser tomada quando o servidor
identificar o desvio de função é pedir, pela via administrativa, no próprio
local de trabalho, a correção do problema.
NA JUSTIÇA
Caso o recurso administrativo não resolva, o funcionário
pode recorrer aos tribunais. Para provar que está desempenhando uma função que
não é a dele, deverá juntar documentos.
DOCUMENTOS
A documentação que comprova o desvio varia de acordo com o
cargo. Podem ser mandados judiciais que um técnico judiciário teve de entregar,
no lugar de um oficial de justiça, ou prontuários médicos assinados por uma
auxiliar de enfermagem, em vez de uma enfermeira. “Tudo no serviço público é
registrado. Até a própria avaliação de desempenho pode ajudar”, explica o
advogado Jean Paulo Ruzzarin.
TESTEMUNHAS
Os colegas de trabalho também podem ajudar, com depoimentos
relatando o desvio de função.
PRAZOS
Na Justiça Federal, um processo pedindo uma indenização pode
levar de cinco a sete anos até uma decisão final. Nos estados, esse tempo cai,
em média, pela metade. Mas os tribunais podem conceder liminares determinando o
fim imediato do desvio de função.
INTRANSFERÍVEL
Não é possível pedir a transferência para o cargo cuja
função o servidor está efetivamente desempenhando, mesmo que ele tenha a
qualificação exigida. A mudança de cargo é possível apenas por meio de concurso
público.
CESSÕES
O advogado Marcelo Queiroz, do escritório Queiroz e Andrade
Sociedade de Advogados, dá um exemplo sobre mudança de função para servidores
cedidos a outros órgãos: “Um guarda municipal não pode ser escrivão da Polícia
Civil, pois é um cargo que pode ser ocupado apenas por quem é da área policial.
Mas ele pode ser um técnico administrativo na Polícia Federal. E se estiver
recebendo o salário de guarda e este for menor do que o do técnico, pode pedir
a indenização na Justiça”.
CARGO DE CONFIANÇA
Ainda de acordo com Queiroz, não há desvio se o servidor
ocupar uma função diferente da sua, mas receber uma gratificação de cargo de
confiança por isso.
POLÍCIA CIVIL
O presidente do Sindicato dos Policiais Civis, Fernando
Bandeira, disse que um dos principais desvios na categoria é o de auxiliares de
necropsia e papiloscopistas, que desempenham a função dos peritos. Além disso,
investigadores e inspetores tomam depoimentos, tarefa que é dos delegados.
Segundo a Polícia Civil, por uma questão de necessidade e pela falta de
pessoal, esses dois casos realmente acontecem, mas os delegados e os peritos
verificam os trabalhos e são responsáveis pelos mesmos.