segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Golpe para fraudar pensões


Vinicius Sassine
O Globo‎     -     17/02/2014




Mais velho, mais vulnerável

TCU investiga falsos casamentos com servidores idosos para assegurar recebimento de benefícios

Brasília - O pente-fino que o Tribunal de Contas da União (TCU) é obrigado a fazer nas pensões pagas pelos órgãos públicos federais tem detectado, cada vez mais, casamentos e uniões estáveis entre parceiros com uma grande diferença de idade. O fenômeno alimenta a suspeita de relações forjadas por servidores no fim da vida, para assegurar pagamento de pensões vitalícias aos cônjuges.

Companheiros também são suspeitos de simular a relação, com ou sem anuência do servidor, para reber as pensões. Levantamento inédito da Secretaria de Fiscalização de Pessoal (Sefip) do TCU dá uma dimensão do prejuízo aos cofres públicos em razão de pagamentos irregulares do benefício.

A Sefip listou 25 casos de pensões em que o casamento ou a união estável envolviam parceiros com diferença de idade de 36 a 60 anos. Em todas as situações, o plenário do tribunal identificou irregularidades na concessão do benefício e determinou sua interrupção. Até isso ocorrer, pensões foram pagas por décadas a fio, pois os beneficiários eram jovens, e os pagamentos são vitalícios para cônjuges, conforme previsto na lei dos servidores públicos federais. O total pago pela União, somente nos casos dessas 25 pensões, chegou a R$ 30,4 milhões.

A diferença de idade não foi determinante para a constatação da irregularidade no pagamento, uma vez que não há previsão legal para esse aspecto envolvendo servidores e pensionistas, ressalta o próprio TCU. Também não está por trás da decretação da ilegalidade uma eventual simulação de casamento ou união estável.

Em apenas um caso, a pensão foi considerada irregular por falta de comprovação da união estável. A diferença de idade entre uma servidora do Ministério da Saúde em Minas e o pensionista era de 49 anos. Em 38 anos de pagamentos ilegais, desde a morte da servidora, o beneficiário recebeu R$ 866,6 mil dos cofres públicos. O TCU decretou a ilegalidade em junho de 2011 e decidiu que os valores recebidos indevidamente não devem ser devolvidos.

As irregularidades mais comuns, determinantes para a suspensão dos pagamentos, são erros na proporcionalidade do benefício e repasses a mais aos pensionistas. O tribunal tem dificuldades para comprovar casamentos e uniões estáveis forjados. Mas, diante da recorrência dos casos, o órgão pretende fazer auditoria para listar o maior número possível de situações assim e calcular o prejuízo.

-Diferença muito grande de idade, por si só, não é motivo de ilegalidade. E, para anular um casamento, só o Judiciário. A partir daí é que o TCU pode atuar. Nos casos de união estável, é mais fácil reunir provas. Já detectamos diversas simulações - afirma o secretário de Fiscalização de Pessoal do TCU, Alessandro Laranja.

A Sefip analisa, por ano, 15 mil pensões e 35 mil aposentadorias. Do total, cerca de 4 mil (8%) são consideradas irregulares. O TCU tem de analisar a legalidade do pagamento de uma nova pensão em 120 dias. Mas, pela fila de processos, a análise costuma demorar oito meses. Os órgãos públicos podem iniciar os pagamentos antes do veredicto do TCU. Decisões do Supremo legitimam esses pagamentos precários.

Cônjuges, companheiros em união estável, pais, mães, idosos e pessoas com deficiência dependentes do servidor falecido têm direito a uma pensão vitalícia. Já pensões temporárias se destinam a filhos até fazerem 21 anos. O número de beneficiários se mantém praticamente constante nos últimos dez anos. Mais de 408 mil servidores deram origem a pensões, segundo dados de 2013 do Ministério de Planejamento, um gasto anual de R$ 31,7 bilhões.

Numa decisão de julho de 2013, o TCU considerou legal o casamento de um general do Exército de 97 anos com uma mulher quase 40 anos mais jovem. Ele já estava com a saúde "bastante debilitada" e morreu dois anos depois. "Não há documentos que evidenciem que o interessado era incapaz para os atos da vida civil, de forma que o casamento é legítimo. Não há que se reformar o ato de concessão de pensão", concluiu.

Já a adoção de uma neta de 24 anos, quando o general tinha 91, foi considerada ilegal. Os filhos do militar já eram maiores e não teriam direito ao benefício. O único objetivo da adoção foi perpetuar a pensão à neta, disse o TCU, que determinou suspender o benefício. A ex-companheira e a neta travam na Justiça um duelo pela pensão integral.


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