BSPF - 09/04/2014
Todo trabalhador vivencia uma relação de trabalho. E a
questão que se põe é saber como se classifica juridicamente essa relação
laboral. Devemos qualificar considerando o sujeito que presta o serviço ou em
razão do tomador do trabalho? E se o tomador do trabalho for um ente público,
podemos, de plano, qualificar como uma relação jurídica estatutária? E, em
consequência, se é uma empresa privada por natureza ou por ficção, será de
natureza privada ou contratual? Respondo logo que, se estamos diante de uma
relação laboral com ente público - sempre iniciada mediante concurso, salvo
cargos de confiança (art. 37, II, da CF) -, pode, a princípio, classificar-se
como de natureza estatutária. Se o vínculo jurídico ocorre com a administração
direta, sem dúvida, a relação jurídica é estatutária.
A conclusão a que chegamos, porém, não é absoluta. Com
efeito, existe lei federal (Lei 9.962/2000) dispondo acerca da possibilidade de
a administração pública direta, autárquica ou fundacional contratar mediante concurso
público sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho. Aqui já podemos
assumir uma conclusão necessária e esclarecedora: esses empregos públicos são
regidos apenas pela CLT e legislação correlata. E o trabalhador, nesse regime,
exerce emprego público. Nessa linha é a doutrina, sempre lúcida, de Celso
Antônio Bandeira de Mello: "Empregos públicos são núcleos de encargos de
trabalho permanentes a serem preenchidos por agentes contratados para
desempenhálos, sob a relação trabalhista, como, aliás, prevê a Lei 9.962/2000.
Quando se trata de empregos permanentes na administração direta ou em
autarquia, só podem ser criados por lei, como resulta do art.
61, § 1º, II, 'a', da Constituição Federal''.
Esse regime jurídico não elide, porém, as influências de
ação governamental criadora do cargo e que determinou o regime jurídico da
relação de emprego público regida pelo direito do trabalho, cuja taxinomia
permite uma certa situação híbrida, quer dizer, pode reger empregos públicos e
privados.
Temos, desse modo, Servidor Público regido pela Lei
8.112/90, os estatutários, e o regido pela CLT, os celetistas.
Advirta-se, porém, que a lei que criar os empregos públicos
não pode alcançar os servidores regidos pela Lei 8.112/90.
E não pode invadir a relação de trabalho de natureza
estatutária.
Anotamos, porém, divergindo decerto do mestre Celso, que a
Lei 9.962/2000 pode reger quem mantém relação de trabalho com a administração
direta, mesmo porque autarquia e função são da administração indireta. Na
verdade, o diploma legal refere que o pessoal admitido para emprego público na
administração direta, autárquica e fundacional terá sua relação de trabalho
regida pela Consolidação das Leis do Trabalho e legislação complementar,
naquilo, porém, que não dispuser em contrário.
Há, ainda, os empregados de estatais que são indevidamente
denominados de empregados públicos. Não são empregados públicos. Eles exercem
empregos privados com grande influência do direito público, mesmo porque as
estatais não são inteiramente privadas, apesar do que dispõe o art. 173 da
C.F.. Com efeito, inúmeras são as disposições próprias dos Servidores Públicos
estatutários que se aplicam aos servidores privados das estatais.
Diz-se servidores privados porque não exercem cargo ou
emprego público.
Empregos públicos são os criados a teor do que determina a
Lei 9.962/00. Assim, são aplicáveis aos empregados de estatais a exigência de
concurso público para admissão e a impossibilidade de acumulação fora das
hipóteses legais.
Nessa linha, vale aqui e agora a definição legal que fornece
a Lei 8.429/92, em seu artigo 2º, e o Código Penal, em seu artigo 327:
"Art. 2º Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele
que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,
nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou
vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo
anterior."; "Art. 327 Considera-se funcionário público, para os efeitos
penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego
ou função pública." Voltaremos ao assunto para aprofundar o hibridismo
público e privado da regência dos empregados das estatais.
Artigo: Deusdedith Brasil é advogado e professor aposentado
da UFPA
Fonte: O Liberal