Agência Senado
- 24/10/2014
O presidente Jânio Quadros ocupou o Palácio do Planalto por
rápidos sete meses, em 1961. Ele ficou célebre por ter inexplicavelmente
renunciado ao cargo. Apesar do governo curto, ele baixou uma série de decretos
polêmicos. Jânio vetou as corridas de cavalo no meio da semana e colocou as
brigas de galo na ilegalidade. As misses foram proibidas de desfilar nos
concursos usando maiôs cavados. Nem mesmo as repartições públicas escaparam das
canetadas indiscriminadas do presidente.
Em março, Jânio baixou um decreto criando um modelo de
uniforme que os funcionários públicos federais passariam a usar, de humildes
motoristas de repartição a graduados professores universitários. O uniforme era
um blusão com quatro bolsos e cinto. O modelo dos homens incluía calça; o das
mulheres, saia. Esse tipo de blusão era conhecido como slack e se assemelhava a
uma roupa de safári. Era um corte que o próprio presidente gostava de trajar. O
decreto estabeleceu, no entanto, que o uso seria facultativo.
O jornal Última Hora, do Rio, anunciou a novidade prevendo
que a aceitação entre as mulheres seria total: “Acredita-se que haja mesmo uma
competição entre as entusiastas no sentido de quem será a primeira a comparecer
uniformizada à sua repartição, fato que poderá transformar-se em concurso. Com
três slacks, a funcionária poderá passar um ano inteiro bem-vestida”.
Para não haver erro, o Diário Oficial publicou as medidas
exatas e as cores das peças. Elas poderiam ser compradas prontas em lojas ou
encomendadas a costureiras.
O entusiasmo inicial, porém, logo passou. O uniforme passou
a ser pejorativamente chamado de “pijânio” — mistura de “pijama” e “Jânio”.
Chegou a virar tema de debate na tribuna do Senado. Numa sessão daquele mês de
março, o senador Lima Teixeira (PTB-BA) pediu a palavra para criticar o
presidente:
— Esqueça-se o presidente da indumentária dos servidores
públicos e de outras pequenas coisas e volte suas vistas para os grandes
problemas do Brasil.
O senador Venâncio Igrejas (UDN-GB) partiu para a defesa de
Jânio. Ele disse que o decreto havia sido baixado porque os próprios
funcionários públicos desejavam imitar a moda do presidente e citou as altas
temperaturas do Rio de Janeiro, onde ainda vivia boa parte do funcionalismo
federal — Brasília havia sido inaugurada apenas no ano anterior:
— O calor impõe que o funcionário afrouxe a gravata e abra o
colarinho ou que trabalhe em manga de camisa. Há, portanto, a quebra da
dignidade no traje. O slack, longe de quebrar essa dignidade, dará ao servidor
condições para que trabalhe de maneira confortável e com um traje que nossos
costumes admitem.
Os argumentos de Venâncio Igrejas continuaram:
— O slack democratiza o servidor público. Evita que nas
repartições uns possam demonstrar a sua elegância de rico, enquanto outros
tenham de se apresentar modestamente vestidos. O slack propiciará ao servidor
um traje pelo qual ele não possa parecer pobre nem levar a ostentação da
riqueza. Excluída a obrigatoriedade do slack, o presidente demonstra o lado
democrático.
Naqueles anos, o grau de profissionalização do funcionalismo
público era baixíssimo. Os servidores eram conhecidos nas ruas como “barnabés”,
apelido que trazia subentendidas características como incompetência, acomodação
e descompromisso. Em 1961, 85% dos servidores federais haviam sido escolhidos
sem concurso público. Luiz Renato Vieira, consultor legislativo do Senado,
explica:
— A hipótese mais plausível é que, com a criação do
uniforme, Jânio Quadros pretendia mostrar à sociedade um serviço público
organizado, moderno e eficiente. Mas era apenas uma maquiagem. Para de fato
acabar com os “barnabés”, o presidente deveria ter investido na capacitação dos
servidores e nos concursos públicos.
A moda do uniforme, porém, não pegou. Com a renúncia da
Jânio, o decreto caiu de vez no esquecimento.