UOL - 23/03/2015
De governantes e manifestantes, frequentemente escutamos que
se deve combater a "cultura da corrupção". Ou seja, trata-se de um
valor que seria compartilhado por todos nós (cultura) e exercido via
"pequenas corrupções", como sonegação de impostos ou uso de carteira
estudantil falsa. Há dois problemas fundamentais nessa percepção.
Em primeiro lugar, ao confundir a noção de corrupção (em
suma, perversão do bem público para fins privados) com comportamentos
individuais acaba-se por diluir possíveis soluções em coisas vagas como
"melhorar a educação" ou "promover campanhas de
conscientização".
O segundo problema, decorrente desse primeiro, é que se
deixam de lado as causas concretas da corrupção – que devem ser atacadas de
forma preventiva, não apenas a posteriori (punitiva). E elas estão, em geral,
nas instituições, não nos indivíduos. Expliquemos.
O que o escândalo dos Correios (que deu origem ao do
mensalão), em 2005, e o da Petrobras, em 2014, têm fundamentalmente em comum?
Ambos tratam de esquemas operados por funcionários públicos de carreira
indicados a cargo de comando por direções partidárias.
O problema da existência desses esquemas não é do seu
vizinho que rouba TV a cabo ou do seu cunhado que subornou o policial para não
levar multa – embora trate-se de condutas condenáveis moral e legalmente, claro
–; tampouco a culpa é apenas dos funcionários em questão ou dos partidos
políticos que eles representam – a cuja boa-fé a administração pública não pode
ficar exposta.
A principal razão pela qual esses esquemas existem e se
repetem está no uso que governantes fazem da liberdade de nomeação que têm para
distribuir cargos administrativos entre partidos aliados e, assim, assegurar o
seu apoio nas casas legislativas.
O livre poder de nomeação permite ao presidente da República
– e ao governador do Estado e ao prefeito até do menor município do país – a
negociar apoios parlamentares com os partidos políticos. O mote é: "você
me apoia e, em troca, fica com tais diretorias". O que os beneficiários
fazem nesses cargos foi exibido claramente tanto no caso dos Correios como
agora no caso da Petrobras: negócios, movidos a propinas, superfaturamentos,
contribuições eleitorais irregulares e direcionamento de licitações.
Além de tornar praticamente impossível aperfeiçoar a gestão
do Estado, pois transforma agentes públicos em agentes partidários, o mecanismo
contribui para o desgaste da representação político-partidária. Por um lado,
porque os partidos, em vez de perseguirem os seus programas, são induzidos a
buscar cargos na administração. Por outro, porque a sucessão de inevitáveis
escândalos ajuda a reduzir a imagem da categoria política a pó.
As medidas anticorrupção propostas pela presidente Dilma
Rousseff na última quarta-feira (18) são necessárias, porém insuficientes. O
país já avançou bastante no que tange o estabelecimento de medidas punitivas,
como as ora propostas pelo governo federal, mas ainda falta uma visão
estratégica – o que passa necessariamente por atacar o problema em suas causas,
com prevenção e fiscalização.
Se a presidente Dilma Rousseff quiser de fato atacar o
problema da corrupção na administração pública, uma das primeiras medidas deve
ser trabalhar pela modificaçãoda Constituição no seu Art. 37, inciso V, de modo
a definir uma limitação ao poder de nomear. Em seguida, negociar com a sua base
aliada a diminuição drástica do loteamento de estatais, ministérios, autarquias
e demais órgãos da administração pública federal.
Ou seja, cortar na carne. O resto é discurso.
(Natália Paiva Especial para o UOL)