BSPF - 18/04/2015
Na mesma semana em que os trabalhadores brasileiros tomaram
as ruas e conseguiram suspender a votação do Projeto de Lei que regulamenta as
terceirizações (PL 4330), o Supremo Tribunal Federal resgatou e votou a Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
1923, contrária às normas que regulamentam as organizações sociais. O STF
decidiu pela validade da prestação, por essas organizações, de serviços
públicos de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção
e preservação ao meio ambiente, cultura e saúde.
A ADI 1923 questionava a legalidade da Lei 9.637/98, que
dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais e a criação
do Programa Nacional de Publicização, bem como o inciso XXIV, artigo 24, da Lei
8.666/93 (Lei das Licitações). A ação foi ajuizada há mais de 15 anos e sua
votação havia sido suspensa em maio de 2011, com pedido de vistas do processo
pelo ministro Marco Aurelio.
Na sessão plenária desta quinta-feira (16), o STF considerou
a validade parcial da Adin apenas no que se refere às leis de licitações, dando
interpretação constitucional às normas que dispensam licitação em celebração de
contratos de gestão firmados entre o Poder Público e as OS. O ministro Luiz Fux
emitiu o voto-condutor, que foi seguido pela maioria.
Em seu voto, Fux ressalta que “Em outros termos, a
Constituição não exige que o Poder Público atue, nesses campos, exclusivamente
de forma direta. Pelo contrário, o texto constitucional é expresso em afirmar
que será válida a atuação indireta, através do fomento, como o faz com setores
particularmente sensíveis como saúde (CF, art. 199, §2º, interpretado a
contrario sensu – “é vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou
subvenções às instituições privadas com fins lucrativos”) e educação (CF, art.
213 – “Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser
dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em
lei, que: I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes
financeiros em educação; II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra
escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso
de encerramento de suas atividades”), mas que se estende por identidade de
razões a todos os serviços sociais”.
O ministro destaca também que “cabe aos agentes
democraticamente eleitos a definição da proporção entre a atuação direta e a
indireta, desde que, por qualquer modo, o resultado constitucionalmente fixado
– a prestação dos serviços sociais – seja alcançado . Daí porque não há
inconstitucionalidade na opção, manifestada pela Lei das OS’s, publicada em
março de 1998, e posteriormente reiterada com a edição, em maio de 1999, da Lei
nº 9.790/99, que trata das Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público, pelo foco no fomento para o atingimento de determinados deveres
estatais.”
No tocante à contratação de trabalhadores pelas OS para a
prestação de serviços públicos, Fux enfatiza que “o que há de se exigir é a
observância de impessoalidade e de objetividade na seleção de pessoal, conforme
regulamento próprio, 33, mas não a submissão ao procedimento formal do concurso
público, devendo ser interpretada nesse sentido a parte final do art. 4º, VIII,
da Lei, ao falar em regulamento próprio contendo plano de cargos dos
empregados.”
Avaliação
Para Claudia March, secretária geral do ANDES-SN, a decisão
é muito preocupante e representa um ataque direto àqueles que lutam contra a
precarização das condições de trabalho e em defesa dos serviços públicos de
qualidade e tem por objetivo dar continuidade à contrarreforma do Estado,
iniciada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, sob a tutela do então
ministro Bresser Pereira. A diretora do ANDES-SN lembra que não havia uma
restrição à Lei 9.637, promulgada em 1998, mas desde antes de sua aprovação, a
mesma já vinha sendo questionada e combatida pelos movimentos sindicais e
sociais, tanto na esfera política quanto jurídica, o que impediu o avanço das
OS para todos os setores previstos na Lei.
Ela lembra que logo após a aprovação da Lei, o serviço
público sofreu uma grande expansão das contratações via OS fundamentalmente no
Sistema Único de Saúde, mas com casos também em outras áreas. De acordo com a
secretária geral do ANDES-SN a experiência de mais de uma década mostra que, ao
contrário do que alegam os defensores da contrarreforma, esse modelo de gestão
é mais oneroso à União, aprofunda a precarização dos serviços públicos e abre
espaço para a corrupção, com o superfaturamento e desvio de verbas.
Os
exemplos, vistos especialmente na saúde pública, apontam numa piora à
assistência ao usuário do serviço público, com uma alta rotatividade dos
usuários nos hospitais para ampliar a ‘produtividade’, fragmentação dos serviços,
precarização e intensificação do trabalho.
Existem questionamentos inclusive do Tribunal de Contas da União (TCU),
de que as OS não apresentam uma melhora na prestação dos serviços. Claudia
ressalta que com a decisão, o Supremo pode colocar fim à possibilidade de
questionamentos à constitucionalidade dos contratos em várias esferas de
prestação do serviço público, incluindo a Educação, com as Organizações
Sociais, mesmo por parte do TCU e CGU.
Para a diretora do ANDES-SN, é importante ressaltar que os
argumentos utilizados por Bresser Pereira para a contrarreforma estão sendo
resgatados. “Adotar as OS passa pelo pressuposto de flexibilizar o controle,
substituir o controle social e colocar organismos de controle interno, algo
próprio do mercado. Para nós isso é grave, pois vai contra um conjunto de
questões que defendemos no serviço público, inclusive em termos de autonomia de
gestão”, reforça.
A secretaria geral do Sindicato Nacional lembra ainda que no
caso da Educação Pública, a decisão do STF vem meses após a declaração do então
presidente da Capes, Jorge Almeida Guimarães, da intenção do Executivo Federal
em adotar uma organização social para a contratação de docentes sem concurso
público.
“Isso é muito preocupante, pois se dá em um momento em que
tanto os direitos garantidos na CLT quanto no RJU [regime jurídico único] estão
sendo rasgados, com ações como a votação do PL 4330, que representa uma
minirreforma trabalhista, com medidas provisórias que flexibilizam os direitos
dos trabalhadores e a edição das medidas provisórias 664 e 665, e
especificamente no setor público, a possibilidade de uma generalização da
contratação via Organizações Sociais, o que é extremamente preocupante em
relação à garantia dos direitos dos servidores, mas fundamentalmente à
qualidade dos serviços públicos prestados”, avalia.
Claudia March pondera que não foi por acaso que a Ação
Direta de Inconstitucionalidade foi votada nesse momento. “Na mesma semana em
que o Congresso está discutindo a flexibilização dos direitos dos trabalhadores
do setor público e privado e em que conseguimos retirar do PL 4330 a
possibilidade da terceirização da atividade-fim na administração pública, uma
alternativa se constrói para consolidar isso. O STF viabiliza a
constitucionalidade de uma Lei que estava sendo questionada desde 1998. Isso
não é por acaso”, destaca.
A diretora do ANDES-SN ressalta que a Assessoria Jurídica
Nacional da entidade já está estudando o conteúdo da decisão e dos votos dos
ministros para um parecer detalhado da votação, o que irá subsidiar as
discussões e a reação do movimento. Claudia lembra que o Setor das Instituições
Federais de Ensino (Ifes) do Sindicato Nacional se reúne na próxima semana em
Brasília, para discutir a campanha salarial dos professores federais, a
construção da greve dos docentes das IFE e este assunto será pautado.
Com informações do ANDES-SN