BSPF - 20/08/2015
Um jovem brasileiro estava cursando uma escola de jornalismo
da Universidade de Londres, uma instituição pública, quando aconteceu algo
inédito, uma greve de professores. Os docentes pareciam tão incomodados com o
que chamavam de atitude extrema que passaram o dia todo de greve se explicando
com os alunos. Sim, isso mesmo, um dia de greve, depois de uma longa negociação
com as autoridades educacionais.
Nosso jovem estudante, numa dessas rodas de conversa com os
grevistas, comentou que não estava nem um pouco surpreendido. No Brasil, disse,
docentes universitários faziam greve mais de mês. O professor britânico
espantou-se. E comentou algo assim: a situação deve ser muito grave para que
esses servidores aceitem ficar um mês sem receber salário.
Pois é. Não passava pela cabeça dele que servidores públicos
pudessem ficar tanto tempo parados e continuar recebendo seus salários em dia.
A atual greve dos docentes das federais já passou dos 80
dias – e não há nem sinal de que vá terminar. O ministro da Educação, Renato
Janine Ribeiro, reclama que os sindicatos de docentes iniciaram a paralisação
antes de qualquer conversa. Os sindicatos reclamam que o ministro sequer recebe
os grevistas.
O ministro tem razão, mas o ponto central não é esse, não é
esta greve. Está em curso um cuidadoso trabalho de destruição das universidades
federais. Os principais responsáveis são professores, funcionários e alunos que
promovem longas greves todos os anos. O período letivo é prejudicado
regularmente, pois os esquemas de reposição de aulas são mais do que precários,
do tipo três meses em um.
Nas paralisações, os servidores continuam recebendo seus
salários, muitos cursos de pós-graduação, especialmente na área de exatas,
funcionam, alguns de graduação também, os de humanas param cem por cento, os
alunos ficam na folga, exceto os militantes, e chega um momento em que ninguém
mais liga. Esse é o panorama geral. Deveria ser grave.
Reparem: mais de 80 dias de greve em escolas públicas, que
vivem do dinheiro do contribuinte, era para ser um desastre nacional. Milhares
de alunos sem aulas, e tudo bem? Dinheiro público pode ser assim tratado?
Grevistas costumam culpar a imprensa por deixar de lado o
noticiário a respeito. Engano. O assunto desaparece também das esferas
políticas. Não é prioridade do governo federal, sequer do Ministério da
Educação. E olha que os sindicatos de docentes estão no campo da esquerda, onde
supostamente se encontram com pelo menos parte do governo Dilma.
No fundo, todo mundo sabe que as reivindicações dos
grevistas não têm o menor cabimento. Querem mais salário e mais dinheiro do
governo quando há uma grave crise das finanças públicas, que está em um momento
agudo, levando a cortes nos gastos nos orçamentos das federais. Como, aliás,
houve cortes em todos os outros setores.
Mas a crise vem de longe e vai mais longe ainda. É
estrutural. Os gastos públicos já determinados por lei não cabem mais no
orçamento da União. Logo, a demanda adicional das escolas federais cabe muito
menos. O caminho correto é cortar despesas de maneira estrutural - fazer mais
com menos - e arranjar dinheiro que não venha do bolso do contribuinte, já
sobrecarregado.
Em Brasília, não se encontra a menor disposição em dar mais
recursos para as federais. Primeiro, porque elas já recebem bastante, com
participação mais do que razoável no bolo dos gastos da União. Se houver um
centavo sobrando para a educação, deveria ir para os ensinos fundamental e
médio. Segundo, porque há um entendimento ou sentimento difuso de que não
adianta enviar mais dinheiro para as federais.
Professores e funcionários, no geral, não topam conversa
sobre eficiência, ganhos de produtividade, avaliação de desempenho e mérito
para subir na carreira. Sim, muitos servidores compreendem que as federais
precisam de uma profunda reforma administrativa e pedagógica – mas, sabem como
é, os militantes dominam a cena, impõem a agenda. Os outros vão na onda, alguns
tentam manter seus cursos funcionando, os demais simplesmente deixam pra lá.
Não vale a pena brigar ou não há condições para isso, dizem-me muitos
professores que, como os ingleses, sentem-se incomodados com a situação.
Nesse ambiente, ninguém ousa dizer que o ensino superior
federal precisa obter fontes de renda no setor privado. Por exemplo:
vender serviços, como pesquisas ou
desenvolvimento de projetos para empresas; cobrar taxas alunos dos que podem
pagar; ou fazer coisas mais prosaicas, como cobrar pelas vagas nos imensos
estacionamentos. Quem tem carro pode pagar pela vaga, não é mesmo? Ainda mais
estudando de graça.
Não se caminha nessa direção. As federais perdem qualidade
progressivamente, desperdiçam o suado dinheiro do contribuinte e não cumprem
sua função de instituições públicas. Não deveria haver um mínimo de
patriotismo, de noção de serviço público? Um mal estar com quase três meses sem
trabalhar? Afinal, os salários não são miseráveis, longe disso ou ao contrário
disso, são mais do que razoáveis no quadro econômico brasileiro. São pagos em
dia, mesmo durante as longas greves.
Isso deveria gerar mais responsabilidade, não é mesmo? Mas tem gerado apenas militância "contra
o neoliberalismo e o arrocho" ou um difuso sentimento de "é assim
mesmo".
Assim gastam quase R$ 10 bilhões/ano dos impostos tomados
dos contribuintes. Uma desgraça.
Fonte: Portal Sardenberg (Escrito por Carlos Alberto Sardenberg)