Jornal Correio do Povo de Alagoas -
31/08/2015
Entre 2003 e 2013, mais 144 mil servidores federais; para
economistas, porém, cortar ministério terá pouco impacto
Entre 2003 e 2013, o número de servidores públicos no
governo federal subiu 28%, de 456 mil servidores para quase 600 mil. A
quantidade de cadeiras de ministros também aumentou — e hoje é recorde, fazendo
do Brasil o país com mais pastas num ranking das 50 nações com as maiores
economias. Mas cortar ministérios não vai fazer milagre: estudos e análises de
economistas sobre a situação da máquina pública federal mostram que o governo
Dilma Rousseff vai precisar de uma reforma administrativa que signifique mais
do que mudança de status de ministério e incorporação de órgãos, se quiser
fazer as contas públicas respirarem.
A comparação da administração federal entre 2003 e 2013 é
parte de levantamento realizado pelo economista e pesquisador do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) José Celso Cardoso, que em 2011 coordenou
estudo sobre o perfil da ocupação no setor público. Quando é vista a variação
em cada órgão, um dos maiores aumentos foi na Presidência da República (143%,
de 3,7 mil para 9,1 mil), incluindo a Vice-Presidência e órgãos como a Anac, a
Abin e as secretarias ligadas à Presidência, como Portos, Assuntos Estratégicos
e Aviação Civil. Minas e Energia teve aumento de 69% (de 2 mil para 3,4 mil);
Transportes, de 62% (de 3,8 mil para 6,2 mil); e a Educação, alvo do lema
“Pátria Educadora” do segundo governo Dilma, de 50% (de 164 mil para 247 mil).
A conta não inclui as estatais.
— Apesar desse aumento de 28%, o ritmo de crescimento do
emprego público diminuiu no 1º governo Dilma em relação aos governos Lula, por
causa de fatores como a crise internacional e a queda do próprio crescimento
econômico brasileiro — diz Cardoso, afirmando também que parte desse aumento
vem de concursos feitos antes do primeiro governo Dilma, mas que tiveram
nomeação e posse dos novos servidores a partir de 2011.
COMPARAÇÃO ENTRE PAÍSES
Cardoso também explica que, ao se examinar período maior —
de 92 até o governo Dilma —, o número atual de servidores federais é menor do
que o que havia na 1ª metade dos anos 90. Além disso, diz ele, o perfil do
servidor federal também mudou, pois “aumentou mais a contratação de servidores
para atividades-fim, como médicos, do que para atividades-meio, como
motoristas”.
— Há uma medida que poderia ser adotada nessa reforma, mas
que está sendo deixada de fora dessa discussão: a queda nos juros da dívida
pública, que faria com que o governo passasse a pagar menos a quem tem títulos
da dívida pública. O governo economizaria muito mais com isso do que
incorporando ministérios ou mudando status de pastas — sublinha Cardoso. — Um
argumento para esses juros altos é que isso ajudaria a combater a inflação; mas
a inflação que estamos tendo é inflação dos preços administrados pelo próprio
governo, não é inflação causada por alto consumo. Além de economizar por passar
a pagar menos juros a quem tem título da dívida pública, o governo veria a
arrecadação subir se diminuísse esses juros, porque juros baixos atraem
investimento produtivo.
Em outro estudo, do ex-diretor da Firjan e hoje consultor
Augusto Franco, o Brasil aparece como o país com maior número de ministérios
num ranking com as 50 maiores economias do mundo. Franco diz que a situação
brasileira melhora “muito pouco” com o corte anunciado:
— O país até sai do 1º lugar, mas vai apenas para a 6ª
colocação, que passa a dividir com a Nigéria.
Nesse grupo de 50 economias mais importantes, os países têm,
em média, 20 ministérios. É o caso, por exemplo, de Japão (20), Reino Unido
(22), Itália (18), México (17), Argentina (17), Chile (21) e França (17). Entre
os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a China, com 21
pastas, e a Rússia, com 25, ficam perto da média, enquanto a África do Sul tem
35 e a Índia, 27. O recorde brasileiro em número de ministérios foi publicado
no último dia 16 na coluna de Ancelmo Gois.
O 2º governo FH terminou com 24 pastas. O ex-presidente Lula
acabou seu 2º mandato com 37 ministérios. Dilma passou a ter 39. Segundo
Franco, apesar de o corte de ministérios anunciado agora pela petista estar no
caminho certo do ponto de vista econômico, do ponto de vista político ele
deveria ser acompanhado de reforma política:
— Foi a pressão dos partidos aliados que fez com que o país
chegasse a ter 39 ministérios. Essa pressão só vai diminuir com reforma
política.
Comparar número de ministérios não é, porém, a melhor
maneira de avaliar reformas administrativas, diz José Celso Cardoso, do Ipea:
— Em comparações entre países, importa menos o número de
ministérios e mais o plano estratégico de cada governo. Depende do contexto
socioeconômico e do plano de cada governo, se é viabilizar exportação, se é
atender população pobre... Depende de quais necessidades cada país tem e de
quais ele quer atender.
Para Cardoso, a eficácia e a efetividade dos programas
estratégicos do governo federal aumentariam se o Planejamento fosse
desmembrado:
— Hoje, esse ministério atua em duas dimensões: uma é o
acompanhamento do Orçamento; a outra, a formulação estratégica dos programas,
que o ministério não consegue fazer justamente porque é consumido pela outra
dimensão. Essa parte estratégica poderia ser fortalecida se saísse do
ministério e fosse para a estrutura da própria Presidência.
AUMENTO DE CARGOS COMISSIONADOS
Além de aumento do total de servidores federais, ao longo
dos anos 2000 e até o fim do 1º governo Dilma também houve aumento no número de
cargos comissionados, aponta levantamento de Felix Garcia Lopez, também
pesquisador do Ipea. Lopez mostra que, de 1999 a 2013, o número de
comissionados foi de 16,6 mil para cerca de 23 mil, um aumento de 38%.
O que mais cresceu foram as faixas superiores dos cargos DAS
(Direção e Assessoramento Superiores, conhecidos como comissionados ou de
confiança): nos DAS 4 a 6, a ampliação foi de 85%, enquanto nos 1 a 3, de 29%.
O crescimento maior ao longo de todas as faixas foi, porém, dos cargos
comissionados ocupados por servidores.
Outro ponto visto pelo estudo é que a rotatividade dos
cargos comissionados é menor nas áreas econômicas, e maior nas áreas sociais.
— A rotatividade tem momentos de pico, que são os primeiros
anos de governo dos presidentes. A média de rotatividade dos DAS é 30%: ou
seja, a cada ano, 3 de cada 10 nomeados (para cargos comissionados) são
substituídos — diz Lopez, destacando o peso dos cargos de confiança regionais.
— Cargos regionais são muito disputados e cruciais para entender o apoio
parlamentar ao presidente da República. É um erro falarmos que o presidente tem
23 mil cargos. Não tem. Pode ter alguma interferência nos cargos 5 e 6, que são
5%, ou 1.300 cargos.
Para Lopez, corte de ministérios e cargos “muda pouco em
termos de racionalidade do gasto”:
— A maior parte dos órgãos executa políticas, e quase todas
são relevantes. Provavelmente, o que haverá são cargos DAS redistribuídos ou
DAS menores fundidos em DAS maiores. O problema não é o cargo, mas termos, por
exemplo, falta de critérios para aferir desempenho dos servidores. Se houvesse
critérios claros nisso, o fato de ser servidor ou não (a ocupar o cargo de
confiança) seria pouco relevante. Só é relevante agora porque é um remendo em
que se busca ter maior segurança de que a pessoa domina a função que deve
desempenhar.
Fonte: O Globo