Correio do Povo
- 05/10/2015
Governo federal ainda paga até R$ 33,7 mil por mês para mais
de 60 mil beneficiárias de lei extinta em 1990
Brasília - Enquanto o país atravessa grave crise econômica,
cortando gastos sociais e investimentos, o governo federal paga pensões
vitalícias a pelo menos 60.707 filhas, maiores de 21 anos, de funcionários
civis da União. O impacto estimado aos cofres públicos, apenas em 2015, é de R$
2,4 bilhões.
Há beneficiárias que chegam a receber mensalmente o teto do
funcionalismo: R$ 33,7 mil. Para manter o privilégio, basta que a mulher se
mantenha solteira e não tenha cargo público ou outra ocupação capaz de prover
sua subsistência.
Mais conhecida no meio militar, a pensão a filhas solteiras
foi instituída, no caso dos civis, por uma lei de 1958 que perdurou até 1990,
quando o atual regime jurídico dos servidores da União entrou em vigor. Como
era direito adquirido, as beneficiárias mantêm a pensão, portanto, há pelo
menos 25 anos. Grande parte delas, porém, recebe o salário mensal desde as
décadas de 1970 e 1980.
LEI FOI CRIADA EM 1958
A maior parte das pensionistas está no Executivo federal,
que responde por 60.461 benefícios desse tipo. O Ministério do Planejamento
informou que o valor médio das pensões é de R$ 3.048,46, totalizando R$ 2,39
bilhões por ano.
No Senado, os benefícios consumirão R$ 32,55 milhões este
ano. Os recursos são distribuídos a 195 mulheres, das quais metade (49,2%)
recebe mensalmente mais de R$ 10 mil. O contracheque de 23,5% delas está acima
de R$ 20 mil. Onze pensionistas recebem R$ 30 mil ou mais, respeitado o teto do
serviço público, de R$ 33,7 mil.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST), que gastará este ano
R$ 3,23 milhões com as pensões para filhas solteiras, paga benefícios mensais
que variam de R$ 1.189,13 a R$ 32.074,85. O maior valor é destinado a três
filhas de ministros. São, no total, 23 beneficiárias.
No Tribunal Superior Eleitoral (TSE) são 28 beneficiárias. O
desembolso mensal chega a R$ 267,4 mil e a estimativa de gastos em 2015 é de R$
3,47 milhões. A Corte não diz quanto paga a cada filha solteira.
BENEFICIÁRIAS TRABALHAM
Procurados pelo GLOBO, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) não informaram quanto pagam em pensões a
filhas solteiras, nem o número de beneficiárias ou o valor total que será
desembolsado em 2015.
Já a Câmara dos Deputados informou que era necessário pedir
os dados via Lei de Acesso à Informação, ainda não tenham sido requeridos nomes
das beneficiárias. O pedido pela Lei de Acesso não foi respondido até o
fechamento da edição.
A constatação de seguidas fraudes e questionamentos sobre o
benefício instituído na década de 1950 levaram o Tribunal de Contas da União
(TCU) a editar a Súmula 285, em 2014, para estabelecer as regras de manutenção
da pensão. A partir de estudos e acórdãos anteriores, a Corte determinou que a
filha solteira, maior de 21 anos, só pode manter o benefício enquanto depender
economicamente da pensão.
O GLOBO identificou, no entanto, mulheres com carreiras
profissionais ativas que continuam a receber. A acadêmica Márcia Coelho
Flausino ganha por mês R$ 24.933,44, já descontados os impostos, como
pensionista da Câmara dos Deputados. No entanto, segundo o Currículo Lattes de
Márcia, ela trabalhou por quase 10 anos com carteira assinada em agências de
publicidade, universidades particulares, na Universidade de Brasília e no Metrô
do Distrito Federal.
De acordo com o currículo, Márcia tem doutorado em História
pela Universidade de Brasília e estava fazendo pós-doutorado em Portugal. Hoje,
atua como consultora de imagem, como consta no documento profissional da
acadêmica publicado na página do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico.
O GLOBO fez contato com Márcia por telefone, que confirmou
ter dado aulas na Universidade Católica de Brasília. Mas, ao ser questionada
sobre a manutenção da pensão, mesmo sendo uma profissional ativa, disse que não
iria responder.
Outra pensionista que se recusou a comentar a situação foi
Márcia Gomes de Almeida Icó, que recebe o valor mensal líquido de R$ 9.638,08
da Câmara dos Deputados. Ela é psicóloga e atende profissionais encaminhados
pelo Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal. Não é contratada da
entidade, e sim prestadora de serviços.
De acordo com a súmula do TCU, caso comprovado que a
pensionista não depende economicamente do benefício, ele tem de ser cortado.
Segundo o Planejamento, a situação “tem de ser aferida caso a caso” e não é
possível fixar um valor como parâmetro, “sob pena de se cometer injustiças, em
nome da legalidade estrita”. Por isso, explicou a pasta, o “simples fato de ter
outra fonte de renda não implica necessariamente a perda”.
Fonte: O Globo