sábado, 21 de maio de 2016

Cadê a CGU que estava aqui?


BSPF      -     21/05/2016




Especialista em gestão de políticas públicas condena fim da CGU. “Estar acima dos demais órgãos auditados faz muita diferença. Como falar de autonomia e permanência se o que temos agora é mais um ministério?”

Na última quinta-feira, 12, a presidente eleita Dilma Rousseff foi afastada do cargo, devido a abertura do processo de impeachment no Senado, e o vice-presidente Michel Temer assumiu interinamente a presidência. O primeiro ato de Temer foi publicar a Medida Provisória 726/2016, que, além de outras determinações, extinguiu a Controladoria-Geral da União (CGU) e a substituiu pelo Ministério de Transparência, Fiscalização e Controle (MTFC). A mudança, na prática, vai muito além do nome.

A CGU, órgão de controle interno do Governo Federal, foi criada em 2002, no governo FHC, como Corregedoria-Geral da União e foi transformada em Controladoria-Geral da União em 2003, no governo Lula. A mudança de nome significou a ampliação de sua atuação. Apesar de continuar com a mesma sigla, a CGU passou a ser responsável não apenas pela atividade de corregedoria, mas também pela controladoria, ouvidoria e prevenção e combate da corrupção.

Para que um órgão de controle interno possa realizar efetivamente o seu trabalho é necessário que ele esteja em um patamar hierárquico acima dos demais órgãos que fiscaliza. Por este motivo, a CGU era diretamente vinculada à Presidência da República, dirigente máximo e hierarquicamente superior, garantindo assim força e autonomia para que ela pudesse fiscalizar os demais entes do governo.

A substituição da CGU para o Ministério de Transparência, Fiscalização e Controle (MTFC) a coloca no mesmo patamar dos demais ministérios e a desvincula da Presidência da República, contrariando a doutrina internacional do controle interno. Este fato, que parece um mero detalhe, na prática enfraquece a CGU, lhe tirando autoridade e autonomia que antes ela tinha como órgão máximo de controle interno do Poder Executivo Federal. Assim, empurrar a CGU para a Esplanada dos Ministérios, com discurso de fortalecimento, pode até parecer um avanço, mas provavelmente não será.

Minha atuação na gestão municipal traz uma experiência parecida. A secretaria onde atuo é responsável pelo monitoramento e avaliação das demais secretarias, porém, temos o mesmo status e isso dificulta bastante o trabalho de cobrança de prazos, metas, resultados e indicadores acordados. O que acontece é que sempre somos vistos como pares das demais secretarias e muitas vezes, por este motivo, é comum que os pedidos e ofícios fiquem sem respostas. É comum as respostas só virem na véspera de reuniões em que o Prefeito, autoridade máxima, participa.

Apesar das mudanças representarem um retrocesso, já faz algum tempo que a situação enfrentada pela CGU, e que há mais de um ano eu já denunciava neste mesmo espaço, é preocupante. No ano passado, um movimento dos servidores da CGU chegou inclusive a evitar ameaça parecida com a que o Temer acaba de fazer, quando o próprio governo Dilma cogitou tirar o status de ministério da CGU e a vincular à Casa Civil ou ao Ministério da Justiça, o que não se confirmou.

A CGU também sofreu precarização nos últimos anos, durante o Governo Dilma, com uma equipe muito menor do que o necessário, condições de investigação e atuação limitadas e cada vez mais atribuições e demandas com as novas leis de prevenção e combate à corrupção aprovadas no país. O órgão chegou a ser colocado em situação de inadimplência orçamentária e financeira, em 2013, e parte dos servidores chegaram a ter que realizar suas tarefas por meio de trabalho remoto em suas casas.

Mesmo com esse cenário, nestes mais de 13 anos de atuação, a CGU se consolidou como órgão de transparência pública e combate à corrupção, além de ter se tornado conhecida e criado uma forte identidade e relação com a sociedade. Foram mais de 5.600 servidores federais expulsos, 224 mil pedidos de acesso à informação recebidos, 199 operações especiais com a Polícia Federal, R$ 24 bilhões fiscalizados em municípios, 4.700 empresas proibidas de contratar com o Governo Federal e 66 milhões de acessos ao Portal da Transparência.

Buscando fortalecer a CGU e garantir que o combate à corrupção seja uma atividade permanente, algumas propostas de emendas constitucionais (PECs) ganharam forças, entre elas a PEC 45/2009, que torna os órgãos de controle interno permanentes – com status constitucional, se firmando como um órgão de Estado, como é a Polícia Federal, evitando que seja extinta por decisões políticas como são os ministérios.

Com a mudança para o Ministério de Transparência, Fiscalização e Controle, o projeto de um órgão de controle interno fortalecido e independente perde muito. Estar acima dos demais órgãos auditados faz muita diferença. Se as dificuldades já eram inúmeras até aqui, inclusive para que as determinações da CGU fossem cumpridas, imaginem agora. Como falar de autonomia e permanência se o que temos agora é mais um ministério?

Apesar de ainda não termos uma definição sobre as alterações que o novo ministro, Fabiano Silveira, irá implementar, porém, sua afirmação de que “a mudança de nome e status da CGU é um avanço e garante o status permanente de ministério” não é real. Vários ministérios acabaram de ser extintos com uma canetada. Somente um órgão de Estado garante o status permanente.

Dessa forma, o primeiro ato de Temer em relação a CGU vai exatamente na contramão do fortalecimento do órgão, algo com o qual ele havia se comprometido no documento A Travessia Social, dando sinais claros (e perigosos) de que o órgão pode perder, cada vez mais, o poder de auditar instituições do governo federal.

Além de toda a perda de autoridade a autonomia, a mudança de nome e identidade representa um custo altíssimo, contra a ordem de cortes e economia que o governo Temer também manifestou. Serão custos desnecessários para o momento com a alteração de logomarcas, banners, material de expediente e divulgação institucional, etc.

Ao longo desses anos a CGU construiu sua identidade e buscava um caminho para se consolidar como órgão de Estado. Enfraquecer a CGU não é a atitude que um governo realmente interessado em punir corruptos e corruptores tomaria. A CGU não é de nenhum governo, é do povo brasileiro. O combate à corrupção não pode retroceder.

Pela volta da CGU, contra retrocessos no combate à corrupção e pelo fortalecimento dos órgãos de controle!

Nicole Verillo é bacharela em Gestão de Políticas Públicas pela EACH-USP e gerente de Estratégia Governamental na Secretaria de Planejamento e Gestão de Osasco (SP).

Fonte: Congresso em Foco


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