sábado, 15 de outubro de 2016

Opinião: Proposta de criar teto salarial é melancólica, mas necessária


Consultor Jurídico     -     15/10/2016




O Estado Brasileiro passa por um dos seus momentos mais difíceis e turbulentos desde toda a sua República Nova, com problemas inúmeros e o principal deles o déficit público.

A Proposta de Emenda à Constituição 241 limita os gastos das despesas e, com ela, teremos as desvinculações salariais entre todos os Poderes da República, o que é de todo importante para que lutemos contra a inflação e preservemos o poder de compra.

A grita geral é pelo social, já que educação e saúde e demais programas serão atingidos em 2018, quando ficarão submetidos ao crivo de gastos limitados. Em relação aos salários, de uma forma geral, o funcionalismo teve graves achatamentos nos últimos anos, notadamente, pelo escorregadio procedimento do Legislativo e a forma de encarar a questão do Executivo.

No entanto, cada Poder da República deve ter sua zona de estabilidade e balizamento respectivo. A título de ponderação, um ministro do Supremo Tribunal federal deveria ter seu teto máximo de R$ 50 mil, com vencimentos assim também os presidentes da Câmara e Senado e o chefe do Executivo, no caso, o presidente da República.

Em relação aos ministros do Superior Tribunal de Justiça e deputados federais, os vencimentos ficariam em R$ 45 mil, com o fim de custos indiretos como passagens, selo, carros, exceto para deslocamentos comprovados e do próprio serviço.

Com essa metodologia, o governo criaria uma verdadeira fonte de equilibro, se redigisse o teto mínimo para algumas atividades essenciais e o máximo, a fim de que, com todas as incorporações e benefícios, ninguém pudesse somar remuneração acima do valor estabelecido de cinquenta mil reais.

O Judiciário também faria seu teto para, no caso de desembargadores, terem os salários em R$ 40 mil, juízes de entrância final, R$ 30 mil, e substitutos ingressantes, R$ 22 mil, acabando-se com os penduricalhos e quaisquer benefícios que não mantivessem harmonia com a vinculação e, nas esferas do Legislativo e Executivo, tudo se discutiria de modo racional e sensato.

De nada adianta vincular salários, se os governos e as prefeituras mostram-se literalmente quebrados e muitos servidores se socorrem da Justiça para recebimento, o mesmo sucede com aposentados e pensionistas.

Não há de se equiparar um Estado com a pujança de São Paulo com qualquer outro da Federação, até em razão do custo de vida ser maior. Bem assim, se um professor universitário tiver seu rendimento máximo em R$ 15 mil, o mesmo não se aplica noutro Estado da Federação, pela absoluta falta de receita para o custeio das despesas.

O Brasil precisa, e rapidamente, sair da espiral pendular de disputas inócuas e discussões estéreis, já que, pelos próximos 20 anos, e não é pouco o que iremos fazer, se chama a corrida em torno do tempo perdido.

Sim, os governos anteriores foram perdulários e, mais graves, sangraram as contas públicas por meio da rotina corruptiva. Essa realidade é nua e crua e não adianta protestar ou se deblaterar no momento em que o fogo cruzado impera e muitos Estados da Federação serão incapazes de pagar o décimo terceiro e terão, no ano de 2017, sérias dificuldades de contingenciamento.

Acabou o milagre da multiplicação dos pães e a riqueza das nações se transformou na pobreza dos Estados e a insolvência de milhares de empresas, hoje, criando uma indústria crescente do desemprego e da falta de ânimo para investimento numa apatia sem fronteiras.

Todas as carreiras de Estado não podem ficar desprotegidas ou desguarnecidas, quer na área jurídica, na social, na ciência, na pesquisa e tecnologia. No entanto, o Brasil duvidou do seu sucesso e apostou no “quanto pior melhor” e, assim, quase metade do produto interno bruto desceu ralo abaixo e, para recuperar a gastança, sofreremos o impacto de duas décadas de paralisação e anestesia geral.

Não se trata de uma receita do FMI, mas sim amarga que causa perplexidade, e seu diagnóstico trará aposentadorias precoces e forte migração de servidores da esfera pública para a privada. Nas empresas, o clima já é sentido com funções cumulativas, redução dos bônus e menor lucratividade.

Nesse momento de controle da sangria, o teto não é o limite, mas a falta de limite para que se tenha um denominador entre classes e categorias do funcionalismo.

Haverá luta, sim, sem dúvida, e alguns tentarão, no STF, derrubar o que se pretende, mas acreditamos que em vão, já que não há opção: ou se obedece a essa melancolia de restrição ou a casa ruída e abandonada cai e vai de vez para o brejo.

A gastança de poucos e malversação de tantos fizeram com que muitos fossem sacrificados pelo futuro do país. O Brasil que vive a sua maior recessão não tem chances de pertencer ao clube dos países ricos e de projeção se não for suficientemente capaz de debelar essa chaga e, com ela, trazer o equilíbrio das contas públicas, acabando com o espírito da falsa prerrogativa de direitos da Constituição Federal, pois que, agora, se o Plano Real enfrenta tropeços de caminho, a sociedade civil encontrou seu destino para cair, em definitivo, numa realidade menos auspiciosa e mais severa nos cortes dos gastos e no renascimento do Estado Brasileiro, o qual, apesar de uma tributação sui generis, consegue mostrar um balanço negativo e ilustrativo que precisa ser revisto para sairmos do vermelho.

Por Carlos Henrique Abrão e Laercio Laurelli

Carlos Henrique Abrão é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg (Alemanha). Tem doutorado pela USP e especialização em Paris.

Laercio Laurelli é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor de Direito Penal e Processo Penal.


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