BSPF - 26/03/2017
Ronaldo Fleury, do MPT, afirma que nova regra irá incentivar
nepotismo em todas as esferas do Estado brasileiro
A Lei que regulamenta a terceirização ampla no país,
aprovada nesta quarta-feira (22) na Câmara dos Deputados, seria o fim do
concurso público e um incentivo ao nepotismo nos municípios, no Estado e na
União. Essa é a avaliação do procurador-geral do Ministério Público do Trabalho
(MPT), Ronaldo Fleury, que enumera consequências negativas para os
trabalhadores, para o serviço público e até para o capital.
"Não vai ter mais concurso público porque todos esses
serviços poderão ser terceirizados", avalia Fleury.
O procurador projeta o futuro a partir de dados sobre os
atuais terceirizados."Os índices de acidentes de trabalho são muito altos:
de cada dez trabalhadores que sofrem acidentes de trabalho fatais, oito são
terceirizados. Por quê? Porque eles têm menos treinamento, existe um
compromisso menor com o meio ambiente do trabalho", exemplifica.
O procurador-geral, porém, indica que há chances de a lei
ser anulada por contrariar o segundo parágrafo do artigo 37 da Constituição
Federal, segundo o qual "a investidura em cargo ou emprego público depende
de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos".
No entanto, ele pondera que o Senado poderá pressionar a votação do PL 4330,
cujo relator é o senador de oposição Paulo Paim (PT-RS).
Confira a íntegra da entrevista:
Brasil de Fato - Como o PL de ontem vai afetar a renovação
dos servidores públicos?
Ronaldo Fleury - Tirando as carreiras de Estado, como os
membros do Ministério Público, magistradura e a diplomacia, simplesmente acaba
com o serviço público. Não vai ter mais concurso público, porque todos esses
serviços poderão ser terceirizados.
Em todas as esferas?
Sim, em União, estados e municípios. E vai permitir a volta
do nepotismo, do apadrinhamento político, a corrupção por meio de contratos de
terceirização. É o que fatalmente ocorrerá. Porque o político, o procurador ou
quem quer que seja que queira contratar um filho precisaria apenas criar uma
empresa terceirizada, o órgão que ele trabalha será o contratante. Então é o
fim de todo trabalho de combate ao nepotismo.
Algumas categorias como professor, polícia civil e hospital
público estão sofrendo com a falta de mão de obra. Tem concursos que foram
feitos e as pessoas não foram chamadas. De que forma essa lei vai afetar os
estados e municípios na hora de lidar com essa falta de funcionários?
Essa lei vai fazer com que todos os concursados ou aqueles
que pretendam fazer concurso tentem outra coisa. Talvez um apadrinhamento
político para entrar por meio da terceirizada, porque essa lei libera que
prefeitos, governadores, administradores simplesmente façam os contratos de
terceirização e prestações de serviços, e toda a contratação seja feita por
essas empresas. Essa lei permite que haja uma escola sem professores
contratados, que haja uma montadora de automóveis sem um único montador de
automóveis… Na verdade, vai contra o princípio do capitalismo. O capitalismo
supõe capital e trabalho - vai ter só o capital, não vai ter o trabalho, porque
vai ter o serviço do outro lado. Ou seja, teremos empresas que alugam gente,
que têm lucro alugando gente.
Hoje, temos algumas figuras jurídicas semiterceirizantes,
como as Organizações Sociais (OSs). O que diferencia o sistema das OSs de um
sistema público terceirizado?
Na verdade, essa terceirização via OS é uma espécie de uma
parceria público-privada, mas que não é tão privada porque são Organizações
Sociais, que têm uma destinação específica, uma especialização, uma
fiscalização de recursos. Podem receber recursos públicos…
Já na terceirização liberada, como se pretende com esse PL,
o que vai ter é simplesmente empresas tendo lucro alugando gente.
E tem uma coisa: esse projeto não é claro no sentido da
terceirização ampla. Ele é claro no sentido da possibilidade de contratos
temporários, que é outra coisa.
E qual seria a diferença?
No contrato temporário, a empresa contrata diretamente os
trabalhadores temporários. É o que ocorre muito no comércio hoje durante o
período do Natal. Mas, agora se permite contratação indistinta e por até nove
meses, ou seja, é praticamente o ano inteiro! Assim, eu posso contratar um
funcionário e, a cada nove meses, fazer um novo contrato. Ele não vai ter
direito a férias ou licença maternidade…
A terceirização elimina o direito à licença maternidade?
Sim, porque no contrato temporário a pessoa tem um prazo
previsto anteriormente para seu fim.
E ainda tem outro problema: se a gente cotejar esse projeto
com o da reforma da Previdência, o que vai acontecer: a gente vai ter uma
rotatividade muito grande tanto nos temporários quanto nos terceirizados – nos
terceirizados, já é muito grande a rotatividade, quatro vezes maior que os
contratados pela CLT; aqueles 49 anos que serão necessários trabalhar pela
reforma da Previdência, vão ser muito mais. Porque são 49 anos de contribuição.
Vamos supor que eu tenha contratos de nove meses. Trabalho
nove meses e fico três sem contrato. Nove meses e fico três sem contrato… Eu
vou ter que trabalhar por pelo menos uns 70 anos para poder aposentar. Eu vou
ter que contribuir muito mais tempo para dar os 49 anos de contribuição.
Quais são os direitos que são suprimidos com esse projeto?
Os trabalhadores terceirizados ganham entre 60% e 80% do
salário dos trabalhadores diretos. A empresa para manter um trabalhador tem que
pagar um salário melhor. O terceirizado não. O empregador [que trabalha com
terceirizados] trabalha com quantidade, sem a necessidade de uma
especialização, de um treinamento.
Quanto ao índice de acidentes de trabalho, de cada dez
trabalhadores que sofrem acidentes fatais, oito são terceirizados. Ou seja, 80%
dos acidentes de trabalho fatais são de terceirizados. Por quê? Porque eles têm
menos treinamento, existe um compromisso menor com o meio ambiente do trabalho.
A empresa que presta o serviço vai jogar a culpa na empresa onde o serviço é
prestado [contratante] e a empresa onde o serviço é prestado vai jogar a culpa
na prestadora de serviço. Fica esse jogo de empurra e é o trabalhador que sofre
as consequências.
Além disso, tem a rotatividade da mão de obra que, no caso
dos terceirizados é menor que um ano. Tem também o problema sindical. O sindicato
perde muita força. Os trabalhadores deixam de ser vinculados àquelas categorias
em que eles efetivamente trabalham para serem vinculados a sindicatos de
prestadores de serviço, que têm um índice de associação e, consequentemente,
uma força de negociação muito baixa.
As consequências são absurdas para o direito do trabalho e
para os trabalhadores.
E para o capital, essa medida não vai levar à perda de
produtividade?
Com certeza! Os trabalhadores terceirizados são menos
especializados, têm um treinamento menor. Só isso já gera uma queda de
produtividade. Tem toda a discussão jurídica se aquela terceirização em
determinada empresa vai ser uma terceirização de serviço ou uma simples
contratação por uma empresa interposta. Qual a diferença?
Se eu tenho um hotel e quero contratar um gerente, eu pego
uma empresa terceirizada e falo: 'você tem que contratar o João, que vai
prestar serviço para mim'. Isso na verdade é contratação de empregado usando
uma empresa que se interpõe entre empregado e empregador. É uma fraude.
É diferente de eu chegar e falar: eu quero contratar um
serviço de limpeza para o meu hotel. Quem vai prestar o serviço é a empresa e
não interessa quem vai executar o trabalho.
Vai ser ruim para o capital, e para os trabalhadores, nem se
diga! O projeto assassina a CLT. Para os empregadores, cria uma insegurança
jurídica muito maior. As empresas que quiserem se aproveitar desse projeto para
simplesmente trocar a mão de obra, que hoje é com vínculo empregatício, por mão
de obra terceirizada ou contrato temporário, se arriscam a criar uma espada de
Dâmocles* sobre a cabeça dessas empresas, porque elas podem ser demandadas
judicialmente e depois não ter como pagar a indenização, que pode ser
milionária.
Com essa lei, essas empresas não deixariam de ter que pagar
indenização?
Não. Elas têm que pagar, mas de forma subsidiária. Ou seja,
primeiro os empregados têm que ir na empresa prestadora. Se a empresa não tiver
condição de pagar, os trabalhadores podem ir atrás da empresa contratante
desses serviços. Se ainda tiver vivo, porque o trabalhador já vai ter sido
demitido e não vai ter recebido nada – já vai estar passando fome.
Existe alguma forma de reverter essa reforma trabalhista?
Nós estamos avaliando a constitucionalidade do projeto que
foi aprovado. Vai depender do texto que for sancionado e, se for o caso, nós
vamos acionar a Procuradoria Geral da República para que entre com Ação Direta
de Inconstitucionalidade [ADI].
Um dos pontos mais óbvios é que a lei aprovada contraria o
segundo parágrafo do artigo 37 da Constituição Federal [o texto diz que "a
investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso
público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a
complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as
nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e
exoneração"].
Mas parece que vão sair dois projetos diferentes para a
mesma matéria; a informação é que o Senado vai votar ainda o outro projeto
sobre terceirização [o PL 4330].
Edição: Vanessa Martina Silva
Fonte: Brasil de Fato (Camila Rodrigues da Silva)