BSPF - 24/04/2017
Proposta é que idade mínima valha imediatamente para que
funcionalismo tenha integralidade
Brasília - A pressão por novas mudanças no relatório da
reforma da Previdência vai subir de temperatura ao longo desta semana com a
guerra declarada dos servidores. Duas alternativas de mudanças já estão na mesa
de negociação para reverter, em parte, o endurecimento da regra de
aposentadoria dos servidores públicos, admitem lideranças governistas e até
mesmo integrantes do governo que participam diretamente da negociação.
A estratégia do governo é sim atrasar a aposentadoria dos
servidores, mas não com um “castigo tão duro” como o que foi colocado no texto
apresentado pelo relator Arthur Oliveira Maia (PPS-BA). Em reação a essas
regras, os servidores prometem protestos em Brasília ao longo da semana.
Depois de acordo com a oposição, o adiamento da votação da
reforma na comissão especial e no plenário da Câmara abriu um tempo maior de
exposição para que novas pressões ganhem corpo, podendo reduzir ainda mais a
economia com a reforma, reconhecem líderes da base.
A avaliação nos bastidores é a de que o pior ainda não
passou. O relator está tendo de reavaliar a regra de transição de servidores
públicos após ter “comprado uma briga” com a categoria. Ele propôs exigir desde
já o cumprimento da idade mínima definitiva, de 65 anos para homens e 62 anos
para mulheres, para que funcionários públicos possam receber as chamadas
integralidade – aposentaria com o maior salário da carreira, ainda que acima do
teto do INSS (R$ 5.531,31) – e paridade – reajuste salarial igual ao dos
funcionários da ativa.
A trava, que valeria mesmo para quem pudesse se aposentar
antes dessas idades pela transição, foi vista com bons olhos pelo governo e por
economistas, pois significaria uma economia para as contas públicas. Só que,
entre os servidores, o clima é de revolta.
Eles acusam o relator de promover uma mudança violenta nas
regras do jogo e prejudicar servidores que ingressaram mais cedo no
funcionalismo do que os demais. A página do relator no Facebook tem recebido
uma enxurrada de reclamações.
MINIENTREVISTA
Pedro Nery (Especialista em Previdência, Consultor legislativo do Senado)
O parecer do relator ficou melhor do que a proposta original
de reforma da Previdência?
Sem dúvida há perda do ponto de vista fiscal. O governo
falou que a perda de economia seria algo entre 20% e 30%. Se de fato existe
essa perda, que é importante, sabemos também que o relator está cedendo em
pontos que são justamente os mais sensíveis, do ponto de vista da distribuição de
renda. Ele aliviou o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para o idoso
pobre, a aposentadoria rural, mas endureceu muito as regras para os servidores
públicos que têm privilégios.
A regra de transição não ficou muito complicada?
Ela tem a desvantagem de ser uma regra mais complexa do que
a anterior, que era mais simples. Por outro lado, contempla melhor casos que
antes eram percebidos como falta de isonomia. Antes tinha uma linha de corte
que era muito clara, dos 50 anos para homens e de 45 anos para mulher, mas que
provocava algumas iniquidades.
A nova regra de transição vai atingir mais pessoas?
Sem dúvida vai atingir mais pessoas. Mas é difícil saber
quanto mais porque é pelo tempo de contribuição.
Mas ficou mais difícil para quem já está muito próximo à
aposentadoria?
Sim, para quem está muito próximo, ficou um pouco mais
complicado, especialmente se essa pessoa é muito jovem. Para o servidor público
que estava prestes a se aposentar, que está há mais tempo no serviço público e
entrou antes de 2003, a regra proposta pelo relator provoca perdas muito
grandes por conta da perda da integralidade, que é o direito a receber o maior
salário da carreira, e a perda da paridade, que é o direito de receber os
mesmos aumentos reais dos servidores da ativa.
Essa restrição à integralidade pode cair?
Vai ter uma pressão grande. Caso o Congresso opte por manter
a restrição, vai ter também uma judicialização grande, especialmente porque
estamos falando de pessoas que têm uma boa capacidade de mobilização. Mas acho
que o Judiciário talvez tenha que rever os entendimentos que tem hoje, da mesma
forma que o Legislativo está revendo as regras. Fala-se muito da questão do
direito acumulado que essas pessoas teriam, então seria inconstitucional mudar
isso. Mas o Judiciário vai ter que deixar claro que estamos passando por um
processo de envelhecimento populacional muito veloz e que o direito dos
servidores públicos não é o único que está na Constituição.
Como assim?
Como fica o direito acumulado do trabalhador que contribuiu
a vida inteira pagando impostos e, na hora em que precisa fazer uma cirurgia
pelo SUS, não tem dinheiro porque está tudo sendo gasto com Previdência,
inclusive Previdência do servidor público? Acho que, já que a gente preserva
muito o direito adquirido no Brasil, temos de começar a olhar de maneira
diferenciada para algumas questões que afetam os servidores públicos que já
tinham regras pactuadas.
Qual é o maior avanço da reforma em relação às regras
atuais?
A idade mínima, em relação às regras atuais, é o que tem
talvez o ganho fiscal mais significativo. É uma regra que afeta principalmente
trabalhadores mais bem posicionados na distribuição de renda. Se vamos escolher
o principal ganho da reforma, ele é a idade mínima, que é um símbolo dessa
reforma. A própria ideia de aposentadoria por tempo de contribuição sem idade
mínima é algo que não acontece em outros países, não é prescrito pela
Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em relação ao relatório, o grande
avanço sem dúvida é tornar mais difícil o acesso à integralidade e à paridade
por servidores públicos. Tem um grande ganho fiscal para União, Estados e
municípios, e é medida bem-vinda do ponto de vista de distribuição de renda do
país.
A idade mínima diferente para as mulheres não compromete o
símbolo da reforma?
A grande desvantagem de optar por essa redução é justamente
privilegiar as mulheres que estão mais bem posicionadas na distribuição de
renda. Quando a gente fala de tripla jornada, estamos falando de uma mulher que
tem dificuldade de se inserir no mercado de trabalho formal, às vezes mais
pobre, com mais filhos, que mora longe do trabalho porque está na periferia.
Essa mulher tem mais dificuldade de conseguir 25 anos de contribuição do que 65
anos de idade. Então, do ponto de vista social, acho que seria mais vantajoso
que a gente olhasse com mais carinho em reduzir o tempo de contribuição do que
reduzir a idade. Até porque a alternativa dessas mulheres vai ser procurar o
Benefício de Prestação Continuada (BPC).
A redução da idade mínima da mulher de 65 anos para 62 anos
não comprometeu muito a economia?
Tem uma perda fiscal importante, mas não comprometeu porque
a gente criou uma idade mínima. Estamos saindo de uma situação em que esse
trabalhador que se aposenta por tempo de contribuição pede o benefício aos 55
anos, no caso do homem, ou aos 53 anos, no caso da mulher. Agora a gente sabe
que, pelo menos para o futuro, teremos o mínimo de 65 anos para o homem e 62
anos para a mulher. Já é um avanço importante. Apesar da redução da mulher,
estamos falando de um ganho de dez anos.
Os Estados conseguirão aprovar regras próprias de
Previdência no prazo de seis meses?
Se vai valer a regra federal, existe pouco incentivo para as
Assembleias Legislativas tomarem uma decisão tão difícil. Acho que a maioria
dos Estados, se não todos, vai acabar optando pela regra da União tacitamente.
Isso é bem-vindo, porque o desequilíbrio atuarial mais grave que a gente tem
hoje é nos Estados.
Fonte: Jornal O Tempo