BSPF - 16/08/2017
Além de grave ofensa ao Estado de Direito, a aceitação da
suspensão da vigência de uma lei, que beneficia trabalhadores, para favorecer o
sistema financeiro, seria a completa captura do Estado pelo capital financeiro.
A ideia de suspender o reajuste salarial dos servidores
públicos, assegurado em lei e em plena vigência, é o fim da picada para um
governo que se apresenta como defensor da segurança jurídica, do direito
adquirido e do ato jurídico perfeito.
“Pau que bate em Chico também bate em Francisco”. Ou seja,
se o governo não cumpre a lei e os acordos com os assalariados, qual é a
garantia de que também cumprirá com o mercado? A não ser que a garantia da lei
e dos contratos só valham para o mercado, a serviço de quem se encontra o
governo Michel Temer.
Desde que foi efetivado, o governo Michel Temer não fez
outra coisa senão cumprir a promessa de colocar os poderes e o orçamento do
Estado a serviço do mercado, especialmente o financeiro, como pagamento pelo
apoio deste ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
A promessa de favorecer o capital em detrimento do trabalho
foi documentada na agenda “Ponte para o Futuro”, cuja essência representa: 1) a
destruição do Aparelho de Estado, 2) o desmonte do Estado de Bem-Estar Social,
3) a entrega do patrimônio público (as estatais brasileiras) ao setor privado,
4) a retirada de direitos dos trabalhadores, dos servidores e dos aposentados e
pensionistas.
Estão em linha com isso, a eliminação do conteúdo local, a
redução da presença da Petrobras na exploração do Pré-Sal, a venda de ativos, a
mudança nas regras de governança das estatais e dos fundos de pensão, o congelamento
do gasto público em termos reais, as renúncias e anistias fiscais, o aumento
dos combustíveis, as reformas trabalhista e previdenciária, a adoção de
programa de demissão incentivada, o congelamento salarial e retirada de direito
dos servidores públicos.
Mesmo quando adotou medidas contrárias a essa agenda, como a
medida provisória da “reoneração” previdenciária, o fez de forma tímida e sem
nenhum empenho, e deixou o texto caducar sem ser apreciado pelo Congresso.
O objetivo final de tudo isto é, de um lado, reduzir a
despesa do Estado com bens, serviços e políticas públicas em favor dos que
vivem do salário e do provento de aposentadoria para honrar compromisso com os
credores de títulos da dívida pública, e, de outro, transferir do Estado para a
iniciativa privada a prestação de serviços à população e retirar a proteção do
Estado nas relações entre patrões e empregados.
A economia estimada com a suspensão do reajuste dos
servidores ao longo de 2018, por exemplo, será insuficiente para compensar a
liberação de emendas e a anistia aos ruralistas, ambos como parte do pagamento
pelo voto contra a abertura de processo contra o presidente da República por
corrupção passiva. Nem tampouco para pagar os juros da dívida pública de um
mês.
A eventual suspensão da vigência da lei que garante reajuste
para o servidor, uma prestação de natureza alimentar, será a maior agressão já
feita a esse segmento de trabalhadores, que teve parcela expressiva de seus
integrantes engajados no processo de impeachment que levou à efetivação do
governo Temer. Nem os militares nem o governo Collor, que se elegeu para
combater os “marajás” do serviço público chegaram a tanto.
É muito provável que uma iniciativa com essas
características não passe no Congresso, mas se for aprovada, a tendência é que
o Supremo Tribunal Federal a declare inconstitucional, sob pena de completo
desrespeito às normas de ordem pública. É exatamente o mesmo caso apreciado
pelo STF na ADI 4013, em março de 2016, que considerou ser direito adquirido do
servidor o reajuste previsto em lei já em vigor, mas com efeitos financeiros a
partir de exercício seguinte.
Além de grave ofensa ao Estado de Direito, a aceitação da
suspensão da vigência de uma lei, que beneficia trabalhadores, para favorecer o
sistema financeiro, seria a completa captura do Estado pelo capital financeiro.
A sociedade, em geral, e os servidores públicos, em particular, não podem
concordar com isso, nem mesmo aqueles que apoiaram o processo de impeachment da
ex-presidente Dilma e criaram as condições para a efetivação de Michel Temer na
Presidência da República. Se não houver resistência, o governo estará livre
para concluir sua obra de desmonte do Estado e da destruição da soberania
nacional.
Antônio Augusto de Queiroz: Jornalista, analista político e
diretor de Documentação do Diap
Fonte: Agência DIAP