Congresso em Foco
- 14/01/2018
"Está cada vez mais evidente neste vale-tudo que os
propósitos do governo são outros: visam a redução do alcance da proteção social
e dificultar o acesso à aposentadoria do trabalhador"
O ano de 2017 chegou ao fim marcado pela luta em torno desta
que é considerada pela equipe econômica do governo como a mais importante das
reformas: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, a PEC da
Previdência.
Com o slogan de “combate aos privilégios”, a primeira fase
da campanha publicitária da chamada emenda aglutinativa contabilizou em
novembro passado um gasto de R$ 25 milhões aos cofres públicos.
Importante recordar que, segundo informações disponíveis no
portal da Lei de Acesso à Informação (LAI), a União gastou R$ 100 milhões em
comunicação institucional, de janeiro a junho do ano passado, para convencer
sobre a necessidade da reforma.
Tem pesado no bolso da União a estratégia de jogar a
população contra os servidores públicos, profissionais que dedicam toda a sua
vida ao Estado, sendo os das carreiras típicas exclusivos à função, e que
garantem o seu funcionamento em todos os níveis federativos. São eles que
combatem a sonegação e a corrupção, incluindo aqui os que por meio de acordos
de colaboração e leniência celebrados no âmbito da Operação Lava Jato foi
possível restituir no início de dezembro último R$ 653,9 milhões para os cofres
da maior estatal brasileira.
Além da caríssima e difamatória campanha publicitária, a
equipe de governo usa velhas práticas de concessões, como promessas de
liberação de emendas individuais, instalando no Planalto e no Congresso uma
espécie de balcão de negócios, como bem questionaram sete governadores do
Nordeste, no apagar das luzes de 2017.
A dificuldade para conseguir apoio político, com incertezas
até em sua base, resultou em um projeto de lei aprovado no dia 22 do mesmo mês,
que autoriza o repasse de R$ 99 milhões. Para quê? Mais publicidade para
convencer, a qualquer custo, a aprovação da reforma, agora, na forma da Lei
13.528/2017.
Certa da sua atuação como fiscal da lei e na defesa de
interesses difusos, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ajuizou, em
seguida, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5863) no STF, contra a
dotação orçamentária. Certíssima está a procuradora-geral com esse
entendimento. Para ela, a comunicação pública deve ter caráter estratégico não
apenas para os governos, mas, e sobretudo, para a cidadania.
Está cada vez mais evidente neste vale-tudo que os
propósitos do governo são outros: visam a redução do alcance da proteção social
e dificultar o acesso à aposentadoria do trabalhador.
A previdência do setor público já passou por três reformas
(além da instituição da Previdência Complementar). Portanto, é necessário
respeitar a validade e a eficácia das Emendas Constitucionais 20/98, 41/2003 e
47/2005, especialmente nas regras de transição por elas criadas e, agora
desprezadas no novo texto da emenda aglutinativa. A integralidade e a paridade,
tão criticadas nas campanhas, foram extintas na EC 41.
Ao exigir de todos os servidores vinculados aos Regimes
Próprios de Previdência Social que o tempo mínimo de contribuição passe de 15
para 25 anos, o novo texto representa um grave atentado ao princípio da
isonomia e da segurança jurídica; será, sem dúvida nenhuma, questionado no STF.
Bom lembrar que, desde 1998, os servidores têm que ter idade mínima para se
aposentar (60 anos para homens e 55 para mulheres).
É inconcebível a tentativa do governo de igualar os regimes
previdenciários, pois trazem diferenças substanciais em suas regras. Qual o
objetivo do governo com essas campanhas publicitárias milionárias e falaciosas?
Elas omitem, por exemplo, que os servidores que ingressaram
a partir de 4 de fevereiro de 2013 estão no teto da aposentadoria do INSS e pagam
planos privados de previdência complementar. E, para os que ingressaram antes
desse mesmo ano, contribuem com 11% do total da sua remuneração e continuam
contribuindo na aposentadoria até a morte.
Antes de alterar as regras das aposentadorias de milhões de
brasileiros, o governo precisa atuar no combate à corrupção, às sonegações no
sistema previdenciário (leia-se cobrar das grandes empresas), implementar a
efetiva cobrança da dívida ativa da União (cerca de R$ 340 bilhões), rediscutir
os excessos de benefícios (R$ 56 bilhões por ano), além dos parcelamentos
tributários e da DRU (Desvinculação de Recursos da União) que retira 30% dos
recursos — que, por lei, deveriam ir para seguridade social, cujo valor deste
ano deve chegar a R$ 32 bilhões. Essa distorção da DRU, inclusive, foi
reconhecida no novo texto.
Se levarmos em conta o número de ações judiciais atuais e as
que estão no caminho, negociações e movimentos nesse jogo de xadrez pela
aprovação da PEC 287, o segundo round dessa batalha será ainda mais tenso.
Por Roberto Kupski