BSPF - 05/08/2017
O governo federal tem sido criticado por conceder reajustes
aos servidores em face do grande desequilíbrio orçamentário deste ano. Essa
crítica é válida, mas ela esquece o fator gerador dos atuais reajustes
salariais: as pautas-bomba de 2015.
Há dois anos, quando o governo iniciou suas negociações
salariais para o período de 2016-19, o Congresso aprovou várias medidas
irresponsáveis do ponto de vista fiscal.
Essas ações acabaram vetadas pelo Poder Executivo, mas ainda
assim enfraqueceram o governo nas negociações com os servidores.
A principal pauta-bomba ocorreu em junho de 2015, quando o
Congresso aprovou um aumento médio de 59,5% para os técnicos do Judiciário,
divididos em quatro anos.
Como a remuneração do Judiciário é referência para outras
carreiras, esse reajuste inflou demandas salariais em várias categorias. Com
grande desgaste político, o Executivo vetou tal iniciativa e negociou aumentos
mais moderados para 2016-19.
Os acordos fechados em 2015 atingiram quase 90% dos
servidores do Executivo —1,1 milhão de pessoas— e previram um aumento total de
10,8% entre janeiro de 2015 e janeiro de 2017 para a maior parte dos
trabalhadores. A inflação verificada no período foi de 16,6%, segundo o IPCA.
Quem optou pelo acordo de dois anos teve perda real de salário.
No caso das "carreiras de Estado", o acordo foi de
quatro anos, com aumento total de 27,9%. A expectativa de aumento do IPCA entre
janeiro de 2015 e janeiro de 2019 está hoje em 25,6%. Quem optou pelo acordo de
quatro anos ainda pode ter um ganho real.
Os acordos de 2015 também definiram que o aumento de 2016
seria concedido somente em agosto, devido à situação fiscal do país. A partir
de 2017, os reajustes voltariam a ocorrer em janeiro.
Relembro esse episódio por que corremos o risco de novas
pautas-bomba. Na semana passada, o Conselho Superior do Ministério Público
aprovou uma proposta de reajuste salarial de 16,7% para procuradores.
Na sequência, a Associação dos Juízes Federais indicou que
deseja um reajuste da mesma magnitude.
Caso aprovada pelo Congresso, a demanda dos procuradores e
juízes terá um efeito cascata sobre outras carreiras públicas em um momento de
grande fragilidade fiscal. Não é hora de brincar com fogo.
A folha de pagamento é o segundo maior gasto primário da
União, atrás da Previdência Social, e deve atingir R$ 284 bilhões em 2017.
O reequilíbrio fiscal também requer uma reforma da
remuneração dos servidores, com adoção de regras mais claras sobre o teto de
remuneração e revisão de benefícios. O Senado já aprovou iniciativas nessa
direção, que aguardam avaliação pela Câmara (alô, presidente Rodrigo Maia).
O próximo governo enfrentará uma nova rodada de negociação
com os servidores em 2019. Até lá, o bom senso recomenda não conceder novos
aumentos e, se possível, reavaliar benefícios e reajustes já negociados.
O governo Temer sinalizou que pode adiar os reajustes
programados para 2018, como ocorreu em 2016. Essa medida é correta e deveria
contar com o apoio dos parlamentares. A inflação caiu mais rápido do que se
esperava, e a manutenção de investimentos e serviços públicos essenciais
deveria ser a prioridade do governo neste momento.
A sociedade espera que pelo menos agora os parlamentares
evitem novas pautas-bomba. Apostar no "quanto pior melhor" não acaba
bem.
Por Nelson Barbosa
Nelson Barbosa, doutor pela New School for Social Research,
é professor da Escola de Economia de São Paulo (FGV) e da UnB e pesquisadordo
Ibre. Foi ministro da Fazenda e do Planejamento (governo Dilma). Escreve às
sextas-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna.
Fonte: Folha de S. Paulo