Maria Clara Prates e Marcelo da Fonseca
Correio Braziliense
- 26/01/2014
País desperdiça mais de meio bilhão de reais todos os anos,
além de conhecimento e experiência, com a aposentadoria compulsória dos
servidores aos 70 anos
Nem os ministros do STF escapam da regra que afasta
servidores com experiência da atividade estatal
O já combalido cofre da Previdência Social brasileira
dispensa mais de meio bilhão de reais anualmente para pagar as aposentadorias
compulsórias de Servidores Públicos, considerados inaptos para o trabalho a
partir de 70 anos. A previsão é constitucional e joga numa vala comum as mais
diversas categorias, atingindo desde os ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF) até os setores administrativos, e desconsidera ainda o aumento da
expectativa de vida dos brasileiros, hoje de 74,6 anos - três anos a mais do
que na última década. Uma contradição em relação à política do governo para os
trabalhadores dos setores privados, que têm sido obrigados a se aposentar cada
vez mais tarde para ter direito ao teto da Previdência Social, R$ 4.271,59
mensais.
Os dados do Ministério do Planejamento comprovam que os
brasileiros estão com mais disposição para o trabalho. O número de
aposentadorias compulsórias - em alguns setores apelidada de
"expulsória" - tem aumentado nos últimos três anos. Em 2013, somente
até outubro, 582 Servidores Públicos deixaram o serviço aos 70 anos, mais do
que o dobro dos que foram obrigados a se aposentar em 2011: 265. Em 2012, o número
também quase que dobrou em relação a 2011, atingindo 482 funcionários. Nos
últimos 10 anos, 5.065 funcionários públicos tiveram que deixar os cargos ao
atingir a idade máxima prevista na lei. O número pode parecer pequeno, mas a
mudança na regra poderia significar, além de economia, o fim dos desperdício de
conhecimento pela União.
Essa realidade obrigou o Legislativo a se mexer e apresentar
a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 457, que concede um fôlego de mais
cinco anos aos servidores. O texto, no entanto, se arrasta há quase oito anos
na Câmara dos Deputados diante das pressões de entidades de classe. No ano
passado, o tema voltou à pauta, mas não chegou a ser votado. No Senado, a
proposta foi aprovada em tempo recorde, em duas votações, e seguiu para a Câmara,
onde enfrenta um impasse.
O deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) está entre dezenas de
parlamentares que pediram, nos últimos anos, a votação da matéria. Ele defende
que a aposentadoria dos Servidores Públicos deve acompanhar a nova realidade
brasileira e, por isso, seja estendida para 75 anos. "Além do desperdício
de dinheiro, significa um desperdício de experiência", defende. Para o
tucano, "a entrada maciça de jovens no setor público é o lado bom, mas a
saída precoce dos mais velhos, que detêm conhecimento, está na outra ponta e é
ruim".
STF
Para se ter ideia do conhecimento alijado do setor público,
é preciso considerar que, desde 2005, deixaram o Supremo Tribunal Federal (STF)
os ministros Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence, Eros Grau, Cezar Peluso e
Carlos Ayres Britto, todos em razão da aposentadoria compulsória. Como Velloso,
todos deixaram o tribunal, mas se mantêm ativos em escritórios de advocacia,
atuando ainda como professores ou palestrantes. "Nunca deixei de trabalhar
desde que me mandaram para casa", diz o ex-ministro, defensor da extensão
do tempo de serviço. "Sempre entendi que a compulsória aos 70 anos é um
luxo de país rico. Quando me aposentaram, eu tinha conhecimento de praticamente
toda a jurisprudência e doutrina da Corte. E o que disseram para mim? Vá para
casa ganhar dinheiro com seu conhecimento. Um conhecimento que poderia estar a
serviço do Estado", explica Velloso.
Em viagem aos Estados Unidos, o ex-ministro e ex-presidente
do STF disse que a previsão legal brasileira foi considerada pela Suprema Corte
do país norte-americano - onde o cargo é vitalício - como um "luxo".
"Eu até brinquei: é coisa de país com muitos poços de petróleo",
revela. O ministro, no entanto, diz que tem receio da vitaliciedade e diz que
75 anos é um limite "razoável" de permanência. Velloso também
reconhece que é o lobby das entidades de classe dos juízes que tem retardado a
tramitação da PEC no Congresso. "As entidades de classe afirmam ser contra
a prorrogação do prazo da compulsória, porque isso dificultaria a renovação nos
tribunais, quando, na verdade, significaria uma maior demora na promoção da
carreira."
Campeã
Submetida a uma lei especial ainda mais rigorosa, que obriga
a aposentadoria aos 65 anos, a delegada federal de Repressão a Crimes Previdenciários
do Rio de Janeiro, Maria Christina Dourado e Silva, 69, permanece na ativa por
força de uma decisão judicial que reconheceu o direito de permanecer na
corporação até os 70. E a decisão foi mesmo acertada. Em 2012, portanto, com
três anos a mais do limite estabelecido pela Polícia Federal, Maria Christina
atingiu o topo do pódio em sua delegacia como campeã do número de inquéritos
relatados.
"Eu acho isso (a compulsória) esquisito, pois parece
que a gente ficou com a cabeça ruim porque tem certa idade", diz. Ela
entrou na Polícia Federal em 1969 e, apesar dos 43 anos de serviço, diz ter
fôlego para enfrentar mais cinco, caso lhe fosse concedido esse direito.
"Eu trabalho das 8h às 17h todos os dias e sinto que tenho hoje capacidade
para enfrentar qualquer situação na polícia", afirma.
Pelo mundo
Confira as regras de aposentadoria compulsória em outros
países
África do Sul
Servidores devem se aposentar ao completar 65 anos. No
entanto, é cada vez mais frequente que funcionários entrem com ações para
conseguir autorização na Justiça para continuar nos cargos depois de atingir a
idade máxima.
Austrália
No início dos anos 1990, a regra começou a ser extinta para
alguns servidores. Desde 2004, a legislação não prevê mais a aposentadoria
compulsória.
Canadá
Desde 1973, as províncias passaram a discutir localmente as
regras sobre esse tipo de aposentadoria. Atualmente, a aposentadoria
compulsória é proibida para Servidores Públicos, mas ainda é prevista para
juízes federais ao completarem 75 anos. Em alguns tribunais, a idade máxima
para os juízes é 70 anos.
Estados Unidos
Em 1986, o país aboliu esse tipo de aposentadoria, mas
mantém a regra para alguns casos específicos. Estão previstas aposentadorias
compulsórias para determinadas profissões: controladores de tráfico aéreo (56
anos, com exceções até 61); pilotos (65); juízes nos estados da Flórida, New
Jersey, Maryland e Nova Hampshire. Na Suprema Corte, existem cargos de juízes
seniores em que magistrados aposentados atuam em casos específicos, sem
participar de todos os julgamentos. Atualmente, um dos seniores da Corte
norte-americana é John Stevens, que tem 93 anos.
França
Aposentadoria compulsória para servidores aos 65 anos. A
legislação não estimula a continuidade no serviço público nem no setor
privado a partir dessa idade.
Inglaterra
Em 2011, a Inglaterra aboliu da legislação nacional a
aposentadoria compulsória, que era fixada em 65 anos para todos os Servidores
Públicos. Desde então, nenhum órgão governamental pode determinar idade máxima
para os funcionários, que podem escolher até quando trabalhar.
Japão
As idades para aposentadorias compulsórias são definidas em
acordos coletivos entre os funcionários públicos e o governo. Em 2013, a idade
máxima para os servidores foi definida em 65 anos.
Suécia
Em 2001, foi aprovada uma lei tornando a aposentadoria
compulsória ilegal para Servidores Públicos com até 67 anos. A legislação prevê
incentivos para que os funcionários atuem até o limite da idade permitida.
Acompanhe o noticiário de Servidor público pelo Twitter
Acompanhe o noticiário de Servidor público pelo Twitter