BSPF - 18/09/2017
O governo federal já pagou a advogados públicos R$ 286
milhões em “extras” neste ano. No País, 96% dos municípios têm orçamento
inferior ao volume total de recursos transferidos como “bônus” a 12.555
funcionários da Advocacia-Geral da União (AGU), segundo dados da Frente
Nacional de Prefeitos (FNP).
Concursados para defender o setor público em disputas
judiciais, advogados da União, procuradores federais, procuradores da Fazenda
Nacional e procuradores do Banco Central ganharam um “bônus” mensal de R$ 3,5
mil em seus contracheques, além de seus vencimentos entre R$ 19 mil e R$ 25
mil. A média se refere aos pagamentos efetuados entre janeiro e junho deste ano
– últimos dados disponíveis. O órgão não divulga o repasse individualizado por
servidor.
O valor é um honorário pago em razão de causas ganhas pelos
advogados ao defender os interesses da União e suas autarquias, assim como
ocorre na iniciativa privada. Quando uma parte – uma empresa, por exemplo –
perde uma ação judicial, ela tem de indenizar o Estado e pagar esse “extra” aos
defensores públicos. Chamadas de sucumbências, essas parcelas variam de 10% a
20% da causa – fica a cargo do juiz definir o porcentual.
“Do ponto de vista da eficiência administrativa, é uma forma
de investir no retorno ao cofre público”, afirmou Lademir Gomes da Rocha,
procurador há 20 anos e presidente do Conselho Curador dos Honorários Advocatícios
(CCHA), que administra os recursos de sucumbência – o órgão foi criado por lei
no fim do ano passado. Antes da regulamentação, segundo Rocha, o governo vinha
perdendo servidores qualificados porque não conseguia competir com salários do
setor privado.
Na avaliação de Rocha, os honorários tratam-se de uma medida
“inteligente” para atender ao interesse público. “Só existe pagamento (aos
advogados públicos) se há êxito na ação. Isso significa que ele é um porcentual
daquilo que ingressou no cofre público ou que deixou de sair do cofre público e
quem paga é a parte que perdeu, não a União”, argumentou o procurador.
Divergência
A ideia de pagar servidores públicos que já recebem salários
relativamente altos em relação à média da população brasileira não é consenso
entre juristas. Para Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, professor de
Direito do Estado da Universidade de São Paulo (USP), essas categorias recebem
“o bônus sem o ônus”.
“Na advocacia privada, se você não tem cliente, ninguém te
paga. Se você perde causas importantes, corre o risco de ser demitido. Essas
categorias já têm salários bons e estabilidade, independentemente do êxito nas
causas. Transferiu-se o bônus do setor privado, mas sem qualquer tipo de ônus
(para os advogados do setor público)”, afirmou.
O professor, porém, não discorda inteiramente do pagamento
de honorários para defensores do governo. Marques Neto propõe, contudo, um
cálculo que considera mais justo: subtrair os valores que a União perdeu em
ações dos valores ganhos, e aí “repartir o bolo”.
Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), não apenas é favorável
aos honorários para advogados públicos, como também a juízes e a promotores.
“Um escritório privado, por melhor e maior que seja, não cuida de valores
patrimoniais da proporção do patrimônio do Estado”, disse.
O jurista também afirmou, assim como Rocha, que advogados
públicos migram para o setor privado quando não recebem bem. “Sei que os
salários podem parecer altos, se comparar com o salário mínimo. Em geral,
advogados ganham mais do que a média, mas não adianta culpar as carreiras, tem
de resolver as desigualdades social e salarial, não punir servidores”, afirmou
Serrano.
Divisão
O rateio é feito entre servidores ativos e inativos – com um
escalonamento para quem acabou de entrar ou se aposentar. Na divisão, tampouco
há diferença se o servidor tem cargo de confiança: qualquer um dos 363
funcionários comissionados que já recebem um “extra” por cargo de confiança
nessas quatro categorias podem acumular o honorário no fim do mês.
Goiás
No site da Advocacia-Geral da União (AGU), está disponível o
quanto foi repassado para o Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA)
mês a mês. Não há, no entanto, nomes dos servidores e valores. Por isso, em
julho, o Ministério Público Federal de Goiás solicitou que o órgão desse mais transparência
dos recursos no portal, individualizando os repasses.
De acordo com o presidente do conselho, Lademir Gomes da
Rocha, isso não foi feito nos últimos seis meses por problemas operacionais. A
Controladoria-Geral da União (CGU) foi acionada pela AGU e informou, por meio
de nota, que os valores – até mesmo, retroativos – estarão disponíveis a partir
de outubro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.