BSPF - 17/11/2017
Em 30 de outubro, Michel Temer editou a Medida Provisória
805/2017 que dispõe, dentre outros assuntos, sobre a contribuição
previdenciária do servidor público titular de cargo efetivo. Segundo o texto da
medida, a partir de 1º de fevereiro de 2018, haverá um aumento da contribuição
previdenciária do servidor público da União, das autarquias e das fundações públicas
federais, de 11% para 14%.
Assim, os servidores permanecerão contribuindo com o
percentual de 11% até o teto do valor do INSS que, atualmente, é de R$
5.531,31. Porém, o valor da remuneração que ultrapassar o teto do INSS sofrerá
a incidência da alíquota de 14%. E para os aposentados também vale a mesma
regra. E ainda: os servidores que forem portadores de doenças incapacitantes
serão obrigados a contribuir com a alíquota de 14% sobre o montante que
ultrapassar o dobro do teto do INSS.
Vale lembrar que este novo percentual aplica-se aos
servidores que tomaram posse no serviço público federal, pela primeira vez,
antes da instituição da previdência complementar (fevereiro de 2013) e que não
optaram pelo Funpresp (ou pelo regime de previdência complementar).
Em face desta primeira explicação elucidadora dos fatos, é
necessário apontar aqui uma premissa constitucional: para se instituir novos
parâmetros para a contribuição previdenciária e que elevam as alíquotas, é
imprescindível a apresentação de cálculo atuarial que justifique o aumento da
contribuição. Por esta razão, nos termos da Constituição Federal, a
contribuição previdenciária não pode ser majorada sem que haja a necessidade do
financiamento específico da previdência sendo, de tal forma, vedado também o
aumento da contribuição para custeio de outros gastos estatais que não sejam o
próprio pagamento de benefícios previdenciários.
Argumento este que corrobora com a própria Lei 9.717/1998,
que dispõe sobre as regras gerais para a organização e o funcionamento dos
regimes próprios de previdência social dos servidores públicos. Assim, qualquer
alteração legislativa que busque o aumento da alíquota da contribuição
previdenciária deve sempre possuir um cálculo recente para justificar tal
acréscimo. E, aqui, é importante que se reforce a ausência de déficit na
previdência, já atestada, inclusive, em relatório final da CPI da Previdência.
Dessa maneira, podemos aplicar, por analogia, o art. 167,
inciso XI, da Constituição Federal, que prevê a vedação da utilização dos
recursos provenientes das contribuições sociais para a realização de despesas
distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência. Dentre as
balizas constitucionais estabelecidas está o próprio princípio da vinculação da
receita com a contribuição previdenciária, tendo em vista a finalidade
específica do tributo, que é o custeio exclusivo do regime de previdência dos
servidores públicos (art. 195, § 5º da CF).
Por isso, os servidores públicos não podem ser
“responsabilizados” de forma desproporcional e desarrazoada com a justificativa
de um suposto deficit do Regime Próprio de Previdência Social da União. Déficit
já questionado em ações judiciais próprias no país e também pela grande
imprensa de forma generalizada.
O caráter contributivo e solidário assegurado ao regime de
previdência, bem como a necessidade de preservação do equilíbrio financeiro e
atuarial, permeiam a Constituição Federal no caput de seu art. 40 e se faz
presente na discussão em questão, afinal, a majoração de alíquota não pode
ocorrer sem qualquer estudo que comprove que somente o aumento permitiria
atingir o equilíbrio no pagamento dos benefícios dos servidores públicos da
União, das autarquias e das fundações públicas federais.
Inclusive, a ausência de estudo técnico não permite avaliar
sequer se o percentual majorado importará na sustentabilidade do sistema de
seguridade social, sendo possível, tão somente, supor e arbitrar um valor
aleatório, em clara afronta à razoabilidade e a vedação de tributos para efeito
de confisco.
Conclui-se que o aumento progressivo da alíquota, sem
qualquer estudo atuarial prévio, inclusive com o propósito de cobrir lacunas
financeiras atinentes a uma política governamental de ajuste fiscal, impõe à
natureza jurídica dessa MP total desvio de finalidade e característico ato
confiscatório (art. 150, IV, CF), uma vez que não estabelece uma correlação
entre as contribuições e os benefícios e serviços.
Representa, pois, uma pretensão governamental de apropriação
estatal dos rendimentos dos servidores públicos, contribuintes, comprometendo o
exercício do direito a uma existência digna e de regular satisfação de suas
necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo). Aliás, sob a
perspectiva constitucional, instituir ou majorar contribuição, unicamente ao
contribuinte servidor para custear a seguridade social, sem que assista àqueles
que são compelidos a contribuir com o direito de acesso a novos benefícios ou a
novos serviços, constitui verdadeira mácula à equidade no tratamento e forma de
participação no custeio.
Decisões do Supremo Tribunal Federal ajudam a concluir que,
via instrumento de Medida Provisória, não se pode valer da progressividade na
definição das alíquotas pertinentes à contribuição de seguridade social devida
pelos servidores públicos em atividade, por se tratar de matéria sujeita à
estrita previsão e regulação constitucional. Isto é, não há liberdade decisória
para o Chefe do Executivo, por meio de Medida Provisória, em tema de
progressividade tributária, instituir alíquotas progressivas em situações não
autorizadas pelo texto da Constituição, sendo necessária a alteração por meio
de emenda constitucional.
Para além destas regras, a MP posterga os reajustes
remuneratórios futuros para diversas categorias do serviço público federal.
Nesse sentido, a MP traz uma série de dispositivos que pretendem suspender
aumentos concedidos a diversas carreiras. Além de ferir a boa-fé negocial e a
confiança legítima presentes nos processos negociais que originaram as leis, é
importante destacar a violação ao direito adquirido (art. 5º, inciso XXXVI,
CF).
Isso porque, quando da publicação da medida provisória, já
se encontrava adquirido e integrado no patrimônio jurídico dos servidores o
direito subjetivo ao aumento (apesar de não ter sido efetivamente pago) e,
portanto, não poderia haver qualquer alteração tendente à redução (art. 37,
inciso XV, CF), sob pena de mácula à irredutibilidade de vencimentos, de
proteção constitucional. Segundo decisão recente do próprio STF, a mera
publicação das leis que visam conceder o aumento já é suficiente para formar a
aquisição do direito e, por consequência, o aumento integrar o patrimônio
jurídico dos servidores, mesmo que o termo inicial de execução da lei ocorra em
data posterior.
Não vamos nem tratar aqui da análise dos pressupostos de
relevância e urgência que devem balizar a edição de uma Medida Provisória, uma
vez que não há qualquer comprovação da necessidade de tal intervenção abrupta
pelo Chefe do Poder Executivo. Além disso, a ausência de déficit comprovado e
demonstrado da Previdência contribui para a violação do art. 62, da
Constituição Federal, na medida em que distorce claramente os requisitos da
urgência e relevância.
Apesar de a MP em questão dispor sobre o regime jurídico dos
servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas
federais, é necessário ficar atento à repercussão que tal medida pode causar
sobre os servidores públicos em todos os entes federativos. De previsão
constitucional, expressa no § 1º, art. 149, pode se extrair que sendo a
alíquota da contribuição previdenciária dos servidores titulares de cargos
efetivos da União estabelecida em 14%, não poderão os servidores estaduais, do
Distrito Federal e dos Municípios, possuírem alíquota inferior. Ou seja,
podemos estar diante de um temerário efeito dominó.
Por Diogo Póvoa e Rodrigo Camargo
Diogo Póvoa é advogado. Atualmente integra a equipe de
advogados do escritório Cezar Britto & Advogados Associados e é
especialista em direito dos servidores públicos.
Rodrigo Camargo é advogado e coordena o Núcleo de
Administrativo-Cível do Escritório Cezar Britto & Advogados Associados. É
especialista nas áreas de Direito Administrativo, Constitucional e Humanos.
Fonte: Congresso em Foco